Heróis nikkeis
Assim que desembarcavam em Nápoles, na Itália, os soldados eram “acomodados” em barcaças (embarcações de madeira para carga e descarga nos portos) para continuar a viagem até Livorno. Na Europa, os soldados brasileiros de todas as raças e descendências lutavam juntos, e as demonstrações de preconceito não raro surgiam, ainda que por meio de brincadeiras. Nakasone, por exemplo, costumava ouvir de seus companheiros que, se uma bomba caísse onde estavam, a culpa seria sua. “Eles diziam: ‘se cair uma bomba aqui, foi o japonês que mandou’”, lembra.
Cronologia da 2ª Guerra Mundial
Além dos nikkeis brasileiros, os soldados descendentes de japoneses vindos de outros países aliados também lutaram na Segunda Guerra. É o caso dos pracinhas dos Estados Unidos, que ficaram agrupados no regimento de número 442. Eles atuaram na Itália e foram os mais condecorados após a guerra. Soldados brasileiros chegaram a encontrar alguns desses americanos e trocaram experiências. “Eles diziam que os pais estavam presos nos Estados Unidos e que, se tivessem de ir para o Japão, não iriam”, conta Ojima.
Embora os pracinhas nikkeis não admitam, era difícil para um deles ter sua patente elevada na hierarquia do Exército na guerra. Com raras exceções, a maioria não passou da posição de cabo. Vale lembrar que a ordem hierárquica do Exército é a seguinte: soldado, cabo, sargento, tenente, capitão, major, coronel e general.
“Fui como soldado e não passei disso. Eu tinha de instalar os fios telefônicos. Minha função era muito perigosa e visada, pois os fios poderiam ser rastreados. Além disso, tinha de receber e transmitir os recados que chegavam pelos aparelhos. Conforme os recebia, só repetia do mesmo jeito para não haver problema e a mensagem ser distorcida. Se passasse algum recado errado, eu era descoberto na hora”, relata Tomoki Sannomiya, 80 anos, do 1º Grupo do 2º Regimento de Obuses Auto-Rebocados.
Na Itália, o único nikkei que perdeu a vida no conflito foi José Higaskino, do 1º Batalhão de Saúde. Ele exercia a função de padioleiro e morreu em 3 de dezembro de 1944, na Batalha de Monte Castelo, conhecida como palco do mais famoso conflito travado pelo Brasil na guerra.
Nos 239 dias de combate – de 6 de setembro de 1944 a 2 de maio de 1945 -, o Brasil teve 451 baixas, entre praças e oficiais. Os feridos e acidentados foram 2.722. O local em que os brasileiros tiveram o maior número de feridos é a região de Bombiana, um dos caminhos para se chegar ao Monte Castelo. Os dois pontos formam um triângulo com Abetaia, dando origem à Rota 64.
Foi justamente em Bombiana que o soldado Kyossi Hirata, 81 anos, se feriu. Sob a ordem de avançar 50 metros adiante, o nikkei e mais quatro companheiros da CPP3 (Companhia de Petrechos Pesados) do 3º Batalhão do 6º RI levantaram-se das trincheiras no exato momento em que uma bomba alemã caiu no local.
Os estilhaços de granada atingiram Hirata, que só voltou a si quando estava no Pronto-Socorro de Pistóia. Seu corpo teve 33 cortes, cheios de estilhaços. “Não queria ficar bom no hospital porque senão teria de voltar ao combate”, conta Hirata, que acabou sendo transferido para um hospital de Nápoles e depois para um nos Estados Unidos. Em Nápoles, ele conheceu o nikkei Raul Kodama, que estava sob cuidados médicos depois de quase ter tido seu pé amputado por causa da explosão de uma bomba. Outros feridos no conflito foram Alberto Tomio Yamada e Hino Sadayuki, que perdeu as pernas em combate.
Fui ferido por uma granada. Meu corpo teve 33 cortes. Não queria ficar bom no hospital para não voltar ao combate. (Kyossi Hirata)