Heróis nikkeis
A história dos soldados descendentes de japoneses que lutaram na Segunda Guerra Mundial contra a Itália, a Alemanha e o Japão, a terra de seus pais
Reportagem: Marianne Nishihata
A farda era brasileira. Os pais, japoneses. Diante desses dois fatores, pouco mais de 40 descendentes nipônicos se viram no dever de defender sua Pátria e, ao mesmo tempo, lutar contra a terra natal de seus pais no maior conflito do século passado, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Esse contingente nikkei fez parte da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que combateu na Itália entre 1944 e 1945. Se os descendentes de japoneses representam um pequeno número do total de soldados, 25.334, de acordo com os arquivos da Associação dos Ex-Combatentes do Brasil, eles mostraram o seu valor tanto nos quartéis quanto na frente de batalha, onde lutaram bravamente. Nesse embate, alguns se feriram e um acabou morrendo.
Desses heróis nikkeis que lutaram pelo Brasil, pelo menos 11 estão vivos. Cinco deles deram seus depoimentos à Made in Japan, nos quais contaram como foi fazer parte no Exército brasileiro e a difícil missão de lutar contra a terra de seus antepassados. Embora a maioria não soubesse sequer falar o idioma japonês, a herança oriental pesou sobre os ombros desses soldados. Dois deles chegaram a afirmar que, se tivessem de lutar no Japão, não iriam.
Mas os soldados descendentes de japoneses não foram os únicos a passar por situações constrangedoras nos anos em que durou o conflito. A FEB também contava com filhos de alemães e italianos – em escala superior aos nisseis – em seu contingente.
Além de ter sua lealdade ao Brasil posta à prova pelos superiores e colegas nos quartéis por causa da ascendência oriental, os nikkeis ainda conviviam com a possibilidade de enfrentar o Exército japonês, no qual certamente tinham parentes. Por sorte, não houve combate frente a frente com os nipônicos. Os brasileiros foram para a Itália, enquanto os japoneses combateram no Pacífico e no sudeste asiático.
A atuação dos pracinhas nisseis no conflito se deu tanto na infantaria (linha de frente do combate) quanto na artilharia (retaguarda). Eles exerceram funções variadas, como telefonista, responsável pelo rádio, atirador, distribuidor de munição, mensageiro e padioleiro (que remove os feridos dos campos de batalha). O primeiro contingente brasileiro, o 1º Escalão, embarcou para a Europa em 2 de julho de 1944.No 1º Escalão estava o médico Massaki Udihara (leia mais neste link), que foi para a guerra como 1º tenente de infantaria da reserva, o maior cargo na hierarquia do Exército obtido por um nikkei na Segunda Guerra. Udihara embarcou com o 1º Escalão para a Itália como comandante do pelotão dos fuzileiros da 2ª Companhia do 1º Batalhão do 6º RI (Regimento de Infantaria), que era de São Paulo. Os outros dois regimentos brasileiros, 1º e 11º, eram do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, respectivamente.
A ida dos combatentes para a Itália foi traumática, especialmente aos soldados do 1º Escalão, pois não sabiam para onde estavam sendo levados por motivos de segurança. “Não sabia se ia à África ou ao Japão. Ninguém fazia ideia”, relembra Satsuki Nakasone, 81 anos, à época pracinha do 3º Batalhão do 6º RI. Ele conta que, apesar de ser descendente de japoneses, não relutou em lutar contra o Japão. “Nasci no Brasil e estava comendo do que plantava aqui. Então, não custava dar uma forcinha”, afirma.De que lado você está?
Kunio Ojima, 82 anos, que pertencia ao 9º Batalhão de Engenharia, também afirma não ter tido problemas ao entrar no campo de batalha na Itália. “Não senti nada porque não estávamos lutando contra os japoneses. Eu estava cumprindo minha obrigação como soldado”, explica Ojima. Os problemas do soldado, curiosamente, se deram antes das batalhas, mais precisamente no 5º Batalhão de Caçadores, em Itapetininga, interior de São Paulo. O nikkei conta que sofreu perseguição por parte do comandante Orlando Vernei Campelo. “Ele desconfiava que eu pudesse ser um espião japonês dentro do quartel. Ninguém podia me passar coisa alguma para fazer porque Campelo não gostava de filhos de japoneses. Por isso, eu andava sempre com um amigo que fazia as vezes de meu vigia, caso acontecesse algo”, conta Ojima. “Se fosse hoje, diria aos comandantes que, se não me queriam por ser japonês, que me prendessem ou me mandassem embora. Mas, como eu tinha vindo do sítio, era meio caipira, não conseguia falar essas coisas. Essa mágoa vou levar para o resto do vida”.
Eu instalava fios telefônicos. Era uma função perigosa e visada. Se falhasse eles nos descobririam na hora. (Tomoki Sannomiya)