Gueixas
Os homens japoneses, ao contrário, sabem dar a elas o seu devido valor, enxergando-as quase como divindades vivas. Ou apenas como o ideal da mulher perfeita: bela, servil e sempre disposta a agradá-los. Alheias a isso, as gueixas, anônimas, camufladas pela maquiagem branca e enfiadas em seus ricos quimonos perseguem o sonho de preservar sua arte e uma das mais belas peculiaridades das mulheres, a feminilidade.
Escolas de artes
Antes de desfrutar as delícias da carreira, as gueixas passam por um árduo treinamento. São horas de estudos diários que incluem aulas de dança, música canto da tradicional música gueixa, a kouta. Elas recebem as lições nas escolas de cada distrito. As mais tradicionais ficam em Kyoto, o berço da arte. Tade Koyokazu, uma gueixa de 78 anos que há 35 ensina kouta às geikos de Miyagawacho, afirma que nessa profissão não existe aposentadoria. Até hoje ela ensina às aulas como os versos da kouta devem se encaixar às notas do shamisen, a guitarra rústica que as gueixas tocam nas festas. Apesar de manter viva a tradição, Tade revela que o ensino está mais relaxado e não há tanto espaço para a filosofia do passado. “As garotas de hoje não têm a garra das maikos de antigamente”, diz. Se for rigorosa, elas desistem”.
Gueixa por convicção
Entrevista Kimisome
Nove entre dez garotas dariam qualquer coisa para passar uma noite com o ator Leonardo DiCaprio. A gueixa Kimisome, 21 anos, seria aquela décima que recusaria esse privilégio, por mais que o galã do Titanic insistisse. Vivendo desde os 15 anos em Miyagawacho, um dos distritos de gueixas de Kyoto, Kimisome cumpre com resignação às rígidas normas de um círculo bastante privado, abertos apenas a uma ínfima, mas poderosa, parcela de homens japoneses. “Quase desmaiaria se DiCaprio viesse aqui, mas se eles quisesse passar a noite comigo, diria que não posso”, garante Kimisome, obedecendo à regra de que somente um cliente de longa data pode se encontrar intimamente com uma gueixa. É justamente nesse ponto que está um dos paradoxos da vida de Kimisome. Apesar de se treinada para entreter homens com seu talento artístico, ela dificilmente pode se aproximar deles naturalmente. Numa conversa franca com a revista Made in Japan, na casa de chá Hori Yae, em Kyoto, Kimisome contou detalhes dessa vida de glamour e recusas, sem economizar palavras.
Kimisome ainda não sabe se continuará a viver como uma gueixa pelo resto da vida. Na dúvida, mantém a pose no estilo de vida que escolheu cuidando dos mínimos detalhes. Acima, a partir da esquerda: detalhe do penteado tradicional, o tamanco (pokkuri), o rico obi usado em festas e o empenho na execução perfeita da dança das gueixasMJ: O que a levou a tornar-se gueixa?
Kimisome: No começoa era mais pela aparência exuberante dessa vida, dos quimonos, das festas que eu ouvia falar. Era adolescente e isso me encantava. Depois, com os treinamentos, aprendi coisas que não aprenderia lá fora. Senti prazer em ser disciplinada para tudo. Vivo num mundo ultra-rigoroso. Para mim é como se fosse uma lapidação interna como ser humano.
MJ: Mas hoje você já atingiu isso, por que continua?
Kimisome: Aqui tenho a chance de conhecer pessoas famosas, que nunca sonhei em encontrar em minha vida comum.
MJ: Que pessoas são esssas?
Kimisome: Políticos, atores e músicos muito conhecidos.
MJ: Poderia citar os nomes de alguns deles?
Kimisome: Impossível.
MJ: Por quê?
Kimisome: Por que a discrição é um de nossos preceitos.
MJ: Mas eles são conhecidos fora do Japão?
Kimisome: Sim. Alguns são conhecidos internacionalmente. Seu eu falasse os nomes você saberia quem são.
MJ: Mas se um homem famoso e atraente viesse aqui… Leonardo DiCaprio, por exemplo. Vamos supor que ele gostasse de você e o sentimento fosse recíproco, você passaria uma noite com ele?
Kimisome: Quase desmaiaria se Leonardo DiCaprio viesse aqui, mas se quisesse passar a noite comigo diria que não posso. Já houve casos de eu gostar de um cliente, mas não posso levar esse relacionamento adiante. Se alguém quiser ter um relacionamento comigo terá de esperar eu sair deste mundo.
MJ: Então uma gueixa nunca tem uma relação sexual?
Kimisome: Isso é quase impossível.
MJ: Mas não impossível?
Kimisome: É possível, mas custaria uma fortuna ao patrocinador.
MJ: O que é um patrocinador?
Kimisome: É alguém que patrocina a vida da gueixa com contribuições em forma de presentes ou em dinheiro.
MJ: Mas o que você dá em troca?
Kimisome: Nada. É como se fosse um fã clube da gueixa. Os patrocinadores apreciam a arte da gueixa e colaboram para que elas possam manter esta vida.
MJ: E com ele você poderia se relacionar afetiva e sexualmente?
Kimisome: Sim, mas teria de ser uma pessoa muito rica.
MJ: Basta ter muito dinheiro para se relacionar com uma gueixa?
Kimisome: Não é só isso. Em primeiro lugar, eu posso escolher. Isso significa que tem de ser uma pessoa que eu goste. Depois, todo mundo tem de concordar no oki-ya (casa de gueixas). É muito importante o grau de confiabilidade que o cliente tem na casa. É muito caro formar uma gueixa. Somos o tesouro da casa, não dá para entregar assim sem mais nem menos.
MJ: Você tem patrocinador?
Kimisome: Sim, vários.
MJ: Quanto ganha deles?
Kimisome: É difícil de calcular, varia muito.
MJ: Você se relaciona sexualmente com eles?
Kimisome: Não, nenhum chegou a esse ponto.
MJ: Se tivesse chegado você falaria?
Kimisome: Sim, falaria.
MJ: Você conhece alguma gueixa amante de seu patrocinador?
Kimisome: Sim, uma.
MJ: Você gostaria de ter um patrocinador que fosse seu amante?
Kimisome: Não sei se conseguiria separar a relação afetiva do trabalho. O ideal seria eu me apaixonar por um cliente muito rico, que pudesse patrocinar minha vida de gueixa.
MJ: Se você se apaixonar por alguém, pode simplesmente desistir de ser gueixa?
Kimisome: Há casos em que o patrocinador pode se casar com a gueixa com o consentimento do oki-ya. A partir desse momento, ela deixa de ser gueixa, mas o cliente vai pagar muito por isso. Afinal, é uma compensação pelo investimento que estava sendo feito pelo oki-ya na carreira daquela gueixa.
MJ: Você não se arrepende de ter escolhido ser uma gueixa?
Kimisome: Nem um pouco, gosto dessa vida.
MJ: Você nunca vai casar?
Kimisome: Penso em casar, mas isso teria de abandonar a vida de gueixa. Então é uma decisão difícil de ser tomada. Vim para cá muito jovem. Nunca tive um namorado. Mas acho que a maior felicidade da mulher é ser esposa.
MJ: Seguindo sua linha de pensamento, para ter a maior felicidade como mulher você terá que deixar de ser gueixa…
Kimisome: Aí é que reside a complexidade da vida.
MJ: Então você nunca será completamente feliz como gueixa?
Kimisome: Se eu chegar a me relacionar com um cliente posso atingir esse ideal de felicidade. No nosso universo isso não significa ser amante e sim esposa. Eles será como um marido, poderemos até ter filhos.
MJ: Mas o mundo não se resume ao universo das gueixas…
Kimisome: Nossa, esta conversa está ficando complicada… Lá fora há muitos casamentos que não são felizes. Mas eu só conheço este mundo, então aqui serei esposa.
Reportagem: Paulo Krauss; Fotos: Akira Ueno
Matéria publicada na edição #18 da Revista Made in Japan