Gueixas
A maiko Fukuyuki (à esquerda), 18 anos, diz que os pais ainda não entendem sua decisão de ser gueixa e Kimisome (à direita), 21 anos, brigou com a família quando decidiu se mudar para oki-ya e hoje os contatos se resumem ao estritamente necessário
O rigor não restrito apenas a educação. A programação de atividades é igualmente limitada. As maikos tem uma agenda tão cheia que sobram apenas dois dias de folga por mês. E muitas nem podem dispor desse dias para voltar para casa e descansar no colo da verdadeira mamãe, já que a decisão de ser gueixa, em geral, é acompanhada de um rompimento com a família. Ageiko Kimisome brigou com os pais quando decidiu se mudar para oki-ya e hoje só conversa com eles o estritamente necessário . A maiko Fukuyuki também teve problemas em casa. Meus pais ficaram surpresos e desaprovaram minha idéia de ser gueixa”, conta . “Eles esperavam que eu tivesse uma vida comum, mas compreendem melhor minha decisão”.
Hoje em dia não é mais preciso ser virgemA vida comum para Fukuyuki se resume às folgas semanais. Nesses dias, ela troca o quimono de seda por jeans e camiseta e deixa extravasar seu lado adolescente, tão reprimido no mundo gueixa. “Me visto de modo tão normal que até mesmo as pessoas do oki-ya não me reconhecem”, diverte-se. Ela usa o tempo livre como qualquer garota da sua idade. Adora fazer compras e ir ao parque de diversões. “Minhas folgas são valiosas, tenho horas contadas. O fato de ir a uma lanchonete é uma aventura, porque é uma coisa que dificilmente faço”, contenta-se. “É uma emoção diferente que não posso renunciar’.
Se ir ao McDonald’s fosse a única renúncia no cotidiano de Fukuyuki, a vida de gueixa não seria tão difícil. Além de ter de renunciar ao convívio familiar, se quiser continuar queixa até o final de sua vida ela ela deverá riscar a palavra casamento de seu vocabúlario. Mas isso não impede que o coração de uma garota de 18 anos balance de vez em quando. “Atendo grupos com homens jovens, alguns atraentes, mas não há chance de acontecer nada, pois a fiscalização da okasan e das irmãs durante as festa é muito intensa”, revela. E se ela gostar de algum desse belos jovens? “O sentimento é livre, mas não pode ser concretizado com se estivéssemos no mundo exterior”, resigna-se Fukuyuki, que ainda não se decidiu até quando permanecerá com gueixa. “Acho que se encontrar alguém ideal abandono a carreira”.
Paixões fulminantes, aliás, estão entre os grandes tremores das proprietárias das casas de gueixas. O que faz sentido quando se lembra que as “mamães” são, na realidade, gerentes de uma família que significa negócios. O investimento para se formar uma gueixa é muito alto. Por isso, só compensará se as meninas ficarem um bom tempo trabalhando e dando lucros para a casa. O que justifica a fiscalização, e o controle sobre cada passo das jovens maikos, ainda fascinadas com o primeiro quimono.
Outra exigência é que a futura gueixa tenha concluído o primeiro grau na escola. Até o início deste século, a principal obrigatoriedade era que fosse virgem. Diga-se de passagem, uma tarefa não tão difícil de ser cumprida, pois a época tradicional para se começar o treinamento era quando a garota completava seis anos, seis meses e seis dias de idade.
A numerologia é até interessante, mas o sistema não. Além de não terem idade para decidir seu rumo por si própria, as crianças eram muitas vezes vendidas pelos pais aos oki-yas. Era uma maneira de tentar sobreviver aos difícies períodos das Primeira e Segunda Guerra Mundiais. Outra atrocidade do passado era que a primeira experiência sexual para um cliente especial ao preço médio de dez mil dólares. “Isso não existe mais”, esclarece Michiyo Oishi. “Não me importo se as garotas são virgens ou não, para falar a verdade, nem pergunto”.
O preço da fama
Doze quimonos informais, ao preço de um milhão de ienes (cerca de 8,7 mil dólares) cada fazem parte do guarda-roupa de uma gueixa. Além disso, ela precisa de dois modelos formais, valor incalculável. A roupa é um dos artifícios para manter as gueixa atreladas aos oki-yas.
Aulas de música e dança estão entre as principais obrigações de uma aprendiz de gueixa. Treinos estafantes que seguem pela vida toda. Os “mestres” avisam que há sempre algo a aprimorar na arte das geikos
Dificilmente elas conseguem comprar seu próprio “enxoval”
Quase uma gueixa
No último feriado de Ano-Novo, nove jovens japonesas causaram furor ao desfilar nas proximidades do templo de Asakusa, um dos principais pontos turísticos de Tokyo.
Enfiadas em elegantes quimonos de seda e com os rostos maquiados de branco, elas confundiram a multidão, que julgava estar diante de gueixas de verdade. Era quase isso. O furisode (que também significa quimono de manga comprida) é grupo de “gueixas modernas” que surgiu há cinco anos. São garotas treinadas para entreter clientes de restaurantes e lojas da região. Elas não tocam instrumentos e nem cantam a kouta, tradicionalmente música das gueixas, mas se saem bem ao executar a dança japonesa ao som de fitas gravadas.
A maiko Satohina, 18 anos: duro aprendizado antes ser promovida à gueixaO grupo, criado pela Corporação de Furisode de Asakusa, emprega garotas de 18 a 25 anos, preparadas durante três meses antes de estrear com gueixas modernas. Elas recebem lições de etiqueta, dança e aprendem a vestir-se com o quimono e a pintar-se com shironuri, a maquiagem branca das gueixas. As furisode já viraram atração em Asakusa, principalmente porque cobram muito menos por um show do que as gueixas com selo de autencidade. “É uma forma de agradar aos nosso clientes com uma atmosfera tradicional, valorizando a cultura japonesa”, diz Hideo Ida, diretor da Federação de Lojistas de Asakusa. O trabalho como furisode também atrai garotas porque é como um emprego normal, com duas folgas semanais, ao contrário das gueixas de verdade, que só param dois dias por mês e têm de morar no oki-ya. “Admiro as gueixas”, diz a furisode Rino Koga, 19 anos. “As vezes até brinco de imitá-las tentando tocar os instrumentos de percussão”.
Discrição é a essência dessa família de artistas das ocha-yas (casas de chá) que se espalharam pelos segredos que encerram. Portanto, é perda de tempo perguntar à maiko Fukuyuki, ou qualquer outra de suas “irmãs”, quais foram as pessoas famosas que já estiveram a seu lado durante as festas que costumam participar. No Japão, todo mundo sabe também que o papel de confidentes é encenado com freqüencia pelas gueixas – que ouvem coisas que até Deus duvida.