Tudo vira mangá
Casos curiosos
A Bíblia foi transportada para o formato de mangá com muito cuidado, os autores do projeto, antes da publicação, pediram autorização diretamente ao Vaticano antes de ser liberada para as vendas.
Por causa da sua popularidade, frequentemente os mangás acabam tendo repercussões até mesmo políticas. Em 1989, uma nova história chamada Chinmoku no Kantai (Nave do Silêncio) falava sobre o Tratado de Segurança com os Estados Unidos, contando a história de Kaieda, o comandante do mais poderoso submarino nuclear já construído e projetado em conjunto pelos Estados Unidos e Japão. Na trama, o comandante se rebela contra os dois países e declara o submarino como uma nação independente, batizada de Yamato.
O nome não poderia ser mais curioso. Era como os militares e nacionalistas se referiam à nação japonesa durante a Segunda Guerra Mundial. O objetivo de Kaieda era forçar o desarmamento nuclear e instaurar uma única força militar no planeta, sob o controle da Organização das Nações Unidas.
A história fez tanto sucesso, levando a tantas discussões sobre o papel das forças militares no Japão, que bateu todos os recordes de vida útil de um mangá. A Nave do Silêncio teve mais de sete mil páginas e durou sete anos – quando o normal é que fique em média um ano à venda.
O alcance do mangá como instrumento para divulgar ideias é tão grande que Asahara, o líder da seita Aum Shinrikyo (Verdade Suprema), usou o formato como instrumento para divulgar sua filosofia. A ideia deu tão certo que em menos de um ano ele conseguiu vários adeptos. A história infelizmente não teve um final feliz. Depois dos atentados com o gás sarin (que destrói o sistema nervoso) no metrô de Tóquio, em março de 1995, que levaram a onze mortes e 5.500 feridos, o mangá foi retirado de circulação.
Outro que usou um mangá para divulgar suas realizações foi o então primeiro-ministro Kiichi Miyazawa. É difícil imaginar sérias discussões políticas sendo travadas por meio dos quadrinhos. Mas, quando Miyazawa resolveu ter uma coluna semanal, não escolheu nenhum horário nobre da TV ou um dos grandes jornais diários.
Ele queria atingir os jovens dirigentes empresariais e optou pela Big Comic Spirits, uma revista que traz toda semana vinte histórias diferentes e que no ano de lançamento tinha circulação estimada em 1,4 milhão de exemplares. Algo como, se no Brasil, Fernando Henrique Cardoso (presidente do Brasil entre 1995 e 2002) decidisse fazer seus pronunciamentos nos gibis da Mônica e sua turma.
Nem sempre os mangás foram respeitados pelos intelectuais. Até 1964, eles tinham exatamente o mesmo estilo pouco sério de qualquer outro lugar do mundo. Eram apenas uma forma de leitura, bem descontraída, para as pessoas passarem o tempo. O responsável pela mudança foi o autor Sanpei Shirato, com a série Kamuiden (Lenda de Kamui), sobre uma rebelião de camponeses contra a injustiça e a exploração dos senhores feudais.
Pela primeira vez os intelectuais pararam de torcer o nariz para os quadrinhos. “Os estudantes japoneses liam Karl Marx nas universidades durante o dia e Kamuiden à noite”, brinca Noriko Tezuka, subeditora da Garo, uma revista alternativa que tem como objetivo e descobrir novos talentos – ela foi a primeira a apostar na série de Shirato.