O dia-a-dia de um nikkei na guerra
Leia, a seguir, trechos do diário do médico Massaki Udihara, que estão reproduzidos no livro “Um Médico Brasileiro no Front”, contando suas experiências como um dos nipo-brasileiros convocados para a Segunda Guerra Mundial (veja a matéria completa sobre os soldados nikkeis neste link):
29 de junho de 1944
“Estou, desde esse momento, sujeito aos azares dos imprevistos, pois que tudo se processará em completo alheamento da minha vontade. Não sei e não saberei de nada senão quando me for dado a conhecer. Também não poderei fazer tudo que se me der na telha. Essa a hora que se estabeleceu como o início da prontidão, ou seja, o momento em que ninguém poderia deixar o quartel. E todos os meus contatos com o exterior cessaram nesse momento”.
(Escrito no Rio de Janeiro, quando o 1º Escalão já estava de prontidão para embarcar)
18 de julho de 1944
“Ando sujo, imundo que faria inveja a um porco com consciência de classe. As roupas estão ensebadas, impermeáveis a toda espécie de água e sabão, com um cheiro que faz qualquer privada loja de perfumaria. E querem ver tudo limpo, higiênico. Quando voltar, vou dar um curso provando que devem extinguir as Faculdades de Medicina. E dizer que fui médico.”
9 de setembro de 1944
“É tarde procurou-me outro nipo-americano. Soldado de artilharia da Califórnia. Apesar de tudo, acha a vida lá boa. Não há tantas restrições como ao preto. Falam menos japonês que os do Brasil”.
18 de novembro de 1944
“Para mim, arriscar, seja qual for a causa em jogo no caso, uma vida humana e achar isso natural é a maior obra de destruição que se pode fazer. Aqui, vendo o sacrifício de tantos e em situações as mais absurdas e chocantes, é que se começa a dar o valor real à vida humana. Uma preciosidade”.
10 de dezembro de 1944
“Passei o dia praticamente a escrever. Sempre um melhor modo de passar o dia que ficar olhando sem ver (…) Não sei como, apesar de tudo, ainda consigo exarar ideias no papel. A dificuldade não deixa de se pequena pois o bestunto não tem funcionado a contento. É como este diário, que num dia como hoje se torna tão monótono, que fico com desejos de nada escrever e deixar o espaço em branco. Mas com uma persistência, que não entendo, tenho continuado apesar de tudo, fazendo bem jus a um elogio por essa persistência realmente estranha. Ainda mais sabendo que isto não será de utilidade alguma e nada significará quando tudo terminar. Mas não faz mal. Já que foi começado que vá até o fim, ou então até quando for possível.”
28 de fevereiro de 1945
“Deu-se o caso de caírem umas granadas. Assustei-me bem. Com o tempo já havia adquirido uma certa indiferença e calosidade com relação a isso”.
3 de maio de 1945
“Com isso está a guerra terminada para nós. Pensei fosse sentir mais alegria e fosse ver explosões de contentamento. Nada disso. Tomado tão naturalmente, que não se notaria que o fato tivesse se dado. É a indiferença que se sobrepôs a tudo, fazendo até desaparecer a alegria. Agora só há o desejo de voltar o mais depressa possível”.