Memória Viva – A história de Aiko Higuchi

0119_memoria_casa.jpgA primeira casa onde Aiko morou, em Cravinhos Meu pai, Ikuta Mizobe, foi a primeira pessoa assassinada pela Shindo Renmei (organização secreta que não aceitava a derrota japonesa na Segunda Guerra), em 1946. Depois, contei meu sonho para minha mãe. A bala acertou papai bem no lugar onde a cobra havia picado minha prima, no sonho. Fiquei com muita raiva. Nem queria mais ver japonês na minha frente. Não sabia quem tinha matado, só depois descobri quem era. Dizem que ele ficou preso na Ilha Comprida (SP) e, quando saiu, foi vender peixe no Mercado Municipal de São Paulo. Quando vim para São Paulo, fui lá e perguntei se alguém conhecia Satoru Yamamoto. Falaram que ele havia saído poucos dias atrás. Depois disso, nunca mais soube nada a seu respeito. Dizem que ele morreu.

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As famílias japonesas em um piquenique

Quem gosta que o seu país, a terra onde você nasceu, perca uma guerra? Ninguém! Como é que alguém fala que meu pai ficou contente por que o Japão perdeu a guerra? Deu raiva de quem mandou matar. Não perdôo, não. Esse brasileiro (o escritor e jornalista Fernando Morais) que escreveu o livro (Corações Sujos) não procurou ninguém da minha família. Acho que ele não sabe que a gente tá vivo, né? (no livro, consta que Ikuta Mizobe era pai de um casal de filhos, quando, na verdade, seus filhos eram oito).

“Na época da guerra, os japoneses foram probidos de ouvir rádio, mas meu pai ouvia escondido. Ele escutou o discurso do imperador Hirohito declarando a derrota do Japão, e contou
aos seus funcionários”

“Meu pai foi a primeira pessoa assassinada pela Shindo Renmei no Brasil, em 1946. Fiquei com muita raiva, nem queria mais ver japonês na minha frente”

Fotos - Álbum de Família
O bar freqüentado por brasileiros, em Bastos (SP)

“Esse brasileiro (o jornalista Fernando Morais), que escreveu o livro Corações Sujos, não procurou ninguém da família. Acho que ele não sabe que a gente tá vivo, né!”

Depois disso, uns parentes chamaram a gente para trabalhar em um bar, em Tupã. Minha sogra cuidava dos meus cinco filhos, enquanto eu e meu marido ficávamos no balcão. Lá só tinha cliente gaijin, e foi assim que nós aprendemos mesmo a falar português. Na verdade, português com japonês misturado, né? Quando meu filho mais velho tinha 12 anos, resolvemos nos mudar para São Paulo, para que todos eles completassem os estudos.

Faz 42 anos que a gente mora aqui (no bairro de Santana), nesta mesma casa. A vizinhança é toda de gaijins, todos amigos. Vi seus filhos crescerem, fui ao casamento de alguns. Se acontece alguma coisa, ajudamos uns aos outros. Minha neta vai se casar com filho de italiano. Gaijin é bom porque não tem nada escondido, fala tudo. Nihonjin pensa muito antes de abrir a boca, e brasileiro não acha ruim falar na hora. Também vou sempre à Associação da Província de Nagasaki encontrar amigos. Vamos e nos divertimos, dança junto, conversa. Nessa idade, ficar em casa não é muito bom, né? Pode ficar biruta.

Eu já vivi bastante, e não quero dar trabalho para ninguém. Ainda faço tudo sozinha em casa, limpo, cozinho, faço compras. Estou satisfeita. Deus pode me levar a qualquer hora. Só não quero ficar doente, de cama, isso não.

Fui três vezes ao Japão para passear, foi muito bom. Passei por Yamaguchi, onde nasci. Quando o antigo vizinho me levou aonde era a minha casa, lembrei que ali tinha um pé de moku e de natsume (frutas japonesas) e falei para ele. “Mas como você se lembra disso?”, perguntou. Não sei, tinha 6 anos, e do Japão lembro dessa única cena, só disso. Mas eu não quero morar lá não. Para viver, o Brasil é melhor. Eu nasci no Japão, mas sou mais brasileira. Moro aqui há 76 anos, só não tenho nacionalidade, e acho que já nem precisa mudar.

Cresci aqui e vou morrer aqui.

Depoimento a Leonardo Nishihata
Colaborou Erin Mizuta

Matéria publicada na edição #62 da Revista Made in Japan

Redação Made in Japan Redação do site Made in Japan
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Fonte: BCB (17/04/2024)
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