Depoimentos de Raul Kodama
Aos 85 anos, o paulistano Raul Kodama não fala japonês e conta que até os 10 anos não sabia que descendia do povo oriental. Cresceu longe da cultura japonesa, em Presidente Prudente, no interior de São Paulo. Seu pai, Ryoichi Kodama, chegou ao Brasil em 1908, no primeiro navio vindo do Japão, o Kasato Maru.Não queria desertar por ser japonês
Kodama usa suas próprias gírias brasileiras: “pintei o caneco” é a mais freqüente e significa que aprontou alguma coisa. Na Segunda Guerra, fez parte da 2ª Bateria do 1º Grupo do 2º Regimento de Obuses Auto-Rebocado.
Abaixo, ele relata como foi sua experiência na guerra, o fato de ter sido ferido na Itália e sua relação com a cultura japonesa.
“Lembro que, quando criança, não sabia que era japonês. Não via diferença entre mim e os outros garotos e brigava se alguém me chamasse assim.
Quando fui convocado, tinha acabado de conseguir um bom emprego. Primeiro eu tentei ser voluntário do Exército e não me aceitaram. Aí pensei: ‘quando eu quis, não me quiseram. Agora que estou bem, vou ter de ir para a guerra…’. Era injusto.Mas não teve jeito. Minha família não se manifestou, eles moravam em Presidente Prudente e eu em São Paulo. Nem pensei em fugir. Não queria desertar por ser japonês. Se um japonês fosse embora, iriam dizer que todos os outros japoneses eram covardes.
A sorte é que não sofri por ser oriental. Na Vila Militar do Rio de Janeiro, o coronel José de Souza Carvalho me tratava muito bem. Meu espírito foi preparado para a guerra. Na Itália, eu distribuía munição para os soldados do meu batalhão.
Acabei ferido em Porreta Terme. Fui levar soldados para tomar banho perto do acampamento, abasteci o caminhão e estava esperando para ir embora.Nisso, começou o bombardeio, e um estilhaço de bomba acertou meu pé. Senti um calor, mas não senti dor. Um soldado que ia passando de jipe teve a cabeça decepada. Deitei-me e comecei a me arrastar até encontrar um lugar para me proteger.
Fui levado para Pistóia, e os médicos ficavam comentando se cortariam o meu pé, mas não foi preciso. No hospital de Nápoles, conheci outro nikkei, Kyossi Hirata.
Lá, usei do fato de ter feições japonesas a meu favor. Como os americanos tinham total liberdade e os brasileiros não, me fingi de descendente de japonês americano e andava livremente pelos cantos do hospital. Depois fui transferido para os Estados Unidos.
Quando a guerra acabou, foi complicado. Voltei neurótico, brigava com todo mundo. Não tive problemas com os japoneses daqui quando cheguei. Se alguém perguntava, eu dizia que não tinha pedido para ir à guerra.
Hoje, sou o único japonês que participa das reuniões e comemorações da Associação dos Ex-Combatentes do Brasil, em São Paulo”.
Reportagem: Marianne Nishihata
Reportagem publicada na edição nº 59 da revista Made in Japan