Okinawa, a província mais tropical do Japão
Ser okinawano é um estado de espírito, conhecido como “uchinanchu”. No arquipélago, no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, o orgulho de pertencer a essa região é preservado. A tradição e o respeito aos antepassados são transmitidos pelas famílias desde a infância, o que garante a identidade do povo muito além do sentimento nipônico.
Difícil começar a falar de Okinawa sem citar suas belezas naturais. Atualmente, o conjunto de 160 ilhas no extremo sul é visitado por turistas de todo o mundo, que são atraídos por suas maravilhosas praias de águas esmeraldas, areias brancas e resorts luxuosos.
Muitos noivos japoneses decidem se casar na ilha e já emendam uma lua-de-mel em praias paradisíacas. Mas muito além das atrações turísticas, Okinawa tem uma cultura que permanece única tanto no Japão como no Brasil.
Não é difícil entender por que Okinawa possui tradições e costumes tão diferenciados do restante do Japão.
É que na maior parte de sua história, foi um reino independente que passou por diversas invasões e disputas.
A origem desse povo ainda é rodeada de mistérios, mas acredita-se que parte da população tenha chegado pelo norte da Ásia, parte da Mongólia e do sudeste asiático. A primeira menção escrita do reino na história acontece no ano de 605, na China.
O povo de Okinawa soube aproveitar sua localização estratégica, na entrada sul do Japão, para fortalecer o comércio. Em direção oposta ao Japão, Okinawa estabelecia relações comerciais e culturais com os países vizinhos desde o fim do século 14.
Sua força nas rotas comerciais asiáticas teve seus dias de glória nos séculos 17 e 18. Na época, Ryukyu, como o reino era conhecido, recebeu o título de “Terra da Cortesia” do imperador da Dinastia Ming, da China, para simbolizar sua importância.
A designação ficou no portal da antiga sede real, o Castelo de Shuri. Até hoje, é o maior dos castelos da província, ponto turístico e religioso. Em 1609, Okinawa foi anexada pela primeira vez ao Japão. O Han de Satsuma (atual Kagoshima) invadiu e proibiu o porte de armas na ilha.
O caratê foi desenvolvido nessa época, originado da arte de defesa pessoal. O conjunto de ilhas foi incorporado definitivamente ao Japão em 1879. Passaram algumas décadas sob o domínio do império japonês, mas depois da Segunda Guerra passou ao controle norte-americano, que durou 27 anos.
Somente na década de 70 voltou a fazer parte do Japão. Devido ao passado independente, os imigrantes okinawanos que vieram ao Brasil possuem uma identidade muito mais ligada ao espírito “uchinanchu” do que à nacionalidade japonesa. Aqui no Brasil não deixaram de acreditar em suas próprias divindades e praticar suas tradições.
Okinawa no Brasil – desde o Kasato Maru
A falta de terras, condições e perspectivas fizeram com que muitas famílias de Okinawa deixassem a terra natal até meados do século passado. Comiam apenas batata e a fome era um problema recorrente.
A busca por uma vida melhor incentivou muitos okinawanos a se aventurarem no distante e prometido Brasil. Assim como os outros imigrantes japoneses, os okinawanos que deixaram a terra natal acreditaram que a mudança para o novo país seria apenas um período passageiro.
Os moradores da província estiveram presentes desde a primeira leva de imigrantes que chegou ao país. Dos 781 pioneiros que vieram no navio Kasato Maru, que atracou no Porto de Santos em 18 de junho de 1908, 325 eram uchinanchu.
Durante os 52 dias de viagem, foi o som do sanshin que acompanhou os desbravadores. A viola de três cordas forrada com couro de cobra é o instrumento musical típico de Okinawa.
Representa mais que um objeto, é um “companheiro” nos momentos alegres e tristes. Foi o som familiar do sanshin que serviu de consolo para as famílias que estavam deixando a terra natal e deu forças para enfrentarem os novos desafios. Os acordes e a cantoria foram os acompanhantes da travessia dos navios de imigrantes.
De Santos, os recém-chegados foram encaminhados para a Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo, e só então as famílias okinawanas seguiram para as fazendas Canaã e Floresta, na região da linha ferroviária Mogiana e Sorocabana.
Além das dificuldades comuns a todos os imigrantes, com língua, alimentação e cultura, os uchinanchu passaram por situações complicadas. O governo brasileiro reclamava que os imigrantes de Okinawa e Kagoshima não cumpriam os contratos, fugiam das fazendas e criavam confusões entre os brasileiros que trabalhavam nas lavouras.
Os hábitos, comuns na terra natal, não eram bem aceitos no Brasil. As mulheres casadas tinham as mãos tatuadas, o hajitchi, algo que simbolizava o casamento na ilha. Na época do Brasil Colônia, ter tatuagem era algo ligado a marinheiros decadentes e prisioneiros.
Fugas e rebeldia
A “rebeldia” com que ficaram conhecidos fez com que a imigração das duas províncias fosse suspensa. Os okinawanos sentiram que se tratava de uma distorção da realidade e que haviam sido responsabilizados por problemas que envolviam os demais imigrantes japoneses.
A partir de então, um uchinanchu só poderia vir ao Brasil por meio de Cartas de Chamadas feitas por familiares já instalados no país. Dentre as justificativas alegadas para a medida, está a fuga das fazendas.
Tantas proibições não foram de todo ruins para a comunidade uchinanchu no país. Pelo contrário, o sentimento de injustiça entre a colônia só aumentava, assim como o desejo de fazer algo para defender os companheiros, protestar e ainda ajudar os conterrâneos que queriam vir ao Brasil.
E foi na dificuldade e na sensação de incerteza que surgiram as primeiras associações da província. O Ministério das Relações Exteriores abriu a possibilidade de liberar a imigração de okinawanos apenas se estes formassem uma entidade que se responsabilizasse pela orientação e educação dos imigrantes.
Estava criada, em agosto de 1926, a Kyuyo-kyokai, embrião da futura Associação Okinawa do Brasil e organização pioneira dos uchinanchu no Brasil. Josei Onaga foi o primeiro presidente e seu empenho contribuiu para que as restrições à imigração fossem abolidas em 1936.
A associação conseguiu 86 mil alqueires de terra no Vale do Ribeira, na região Noroeste de São Paulo e no Paraná. Os imigrantes puderam comprar lotes para a agricultura. O sonho de viver melhor ganhava força. Além da venda de terra para os núcleos coloniais, empresas japonesas se estabeleceram na região Norte e no Pará.
A Segunda Guerra e a interrupção das relações diplomáticas entre o Brasil e os países do Eixo resultaram na proibição da imigração japonesa entre 1941 e 1953.
Com o fim da guerra, em 1945, os laços com a terra natal foram postos novamente à prova. Os okinawanos no Brasil recebiam notícias de que a sua ilha havia virado cinzas. Teve início, então, o movimento de assistência às vítimas em Okinawa.
Foram arrecadados produtos não-perecíveis e roupas. Com essa movimentação de solidariedade, a união entre a comunidade uchinanchu no Brasil ficou ainda mais estreita. Na mesma época, os imigrantes passaram a ocupar com mais intensidade o estado do Mato Grosso. Hoje a comunidade okinawana da região é a segunda maior do Brasil, ficando atrás apenas de São Paulo.
O problema de superpopulação em Okinawa fez com que o governo retomasse as medidas de incentivo à emigração. Após a guerra, mais de 10 mil pessoas vieram ao Brasil entre 1952 e 1955. Estima-se que, do total de imigrantes que vieram do Japão, cerca de 10% eram okinawanos, o que garante uma numerosa comunidade no Brasil.
Mais que quantidade, organização e união em torno das tradições e costumes ressaltam a singularidade dessa colônia. A Associação Okinawa do Brasil tem uma atuação destacada desde a década de 20.
Hoje, são 44 associações filiadas, que representam aproximadamente 150 mil descendentes no Brasil. A união entre os imigrantes okinawanos não ficou restrita apenas ao Brasil.
Em 1997, foi criada a Worldwide Uchinanchu Business Association (WUB), que reúne 17 países. A cada ano, a WUB realiza um encontro mundial. Em 2007, a reunião foi realizada na China e contou com cerca de 200 pessoas.
“Estamos na modernidade e a idéia é a de que, a partir do fator dinheiro, a cultura de Okinawa seja mantida”, explica o brasileiro Shinji Yonamine, presidente do Centro Cultural Okinawa do Brasil e vice-presidente da Associação Okinawa do Brasil.