De desprotegidas a donas de si mesmas
Almodóvar, diretor espanhol, disse uma vez que prefere retratar as mulheres em seus filmes. Porque são mais sensíveis, porque demonstram seus sentimentos. As mulheres de Almodóvar são latinas, expelem emoções pelos poros, em cores quentes.
Bem diferente do cinema japonês, de cores mais opacas, mais frias. As mulheres japonesas, tradicionalmente contidas e submissas, se encaixariam nesse cenário. No entanto, o cinema japonês está cada vez mais almodovariano no que se trata da quebra de tradições e da subversão do presente. Claro que tudo isso mantendo os tons pálidos e sutis da estética japonesa.
Para começar, Tokyo Noir (2004), uma coletânea de três histórias curtas sobre três mulheres distintas, todas vivendo em Tokyo. Os contos mostram a relação dessas mulheres com o sexo, em narrativas cujo erotismo é um meio para mostrar os traços peculiares e psicológicos de cada uma dela. O formato de pequenas histórias é repetido em Female (2005), coletânea de cinco curtas baseados em contos japoneses dirigidos por importantes diretores.
Um destaque para Drive Till You See The Sun (Tayo No Mieru Basho Made), do diretor Ryuichi Hiroki, que traz também dois longas para a mostra. Três mulheres se encontram em uma situação não muito confortável. Uma hostess pega um táxi depois de sua jornada de trabalho e dá de cara com uma motorista. Um pouco surpreendida por ser guiada por uma mulher, é abordada por um jovem com uma faca, escondida no veículo.
Três mulheres, três problemas distintos; a hostess carrega consigo sua idade, a motorista o fato de não conseguir cumprir o papel de mãe e a jovem tem uma desilusão amorosa. Um acidente as leva à inconsciência e o trio tem o mesmo sonho durante o período. Algo a ver com as Mulheres a Beira de um Ataque de Nervos de Almodóvar. Depois, seguem juntas rumo ao escape de seus problemas.
Também pode ser definido por escape as ações de Yuko,
protagonista de It’s Only Talk (Yawarakai Seikatsu, 2005), também de Hiroki. Ela é solteira e desempregada, mas sempre acompanhada da depressão. Seus amigos são todos homens, e para cada um deles, Yuko inventa histórias para criar um personagem sobre si mesma.
Em uma narrativa densa e até um pouco noir, Yuko vê um homem diferente em seu primo, com quem ela não tem obrigação de se relacionar amorosamente e não consegue afastar as verdades do passado. Só ali ela se reencontra, e começa a voltar a si e deixar seus personagens. Encontra antes de tudo um amigo, uma pessoa que se importa com ela sem maiores interesses.
Yuko representaria, de uma forma exagerada, uma transição. Pode ser que todas elas procurem uma identidade, mas o processo de conversão das simples donas-de-casa para mulheres com carreiras de sucesso que controlam seu instinto materno ainda é conturbado e um terreno muito fértil para as produções cinematográficas do arquipélago.
Texto: Luiz Fukushiro
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