Relato de uma dekassegui
Regiane é o retrato do brasileiro que acabou se instalando definitivamente no Japão. Confira, a seguir, o seu relato:
“O primeiro lugar onde trabalhei, em 1989, foi uma fábrica que produzia ar-condicionado para carros. Naquela época, não havia tantos brasileiros no Japão e tudo era novidade para mim e tpara os japoneses. Um chefe japonês me confidenciou que levou um susto quando viu o grupo de funcionários brasileiros, porque nunca tinha imaginado que encontraria estrangeiros com traços idênticos aos nipônicos. Ele havia pensado que éramos mais altos e a fábrica seria obrigada a providenciar uniformes especiais. Foi ali que comecei a aprender a língua japonesa. Ao contrário dos dias atuais, o relacionamento ia muito além do profissional. Tínhamos amizade com os chefes japoneses e eles freqüentavam a casa dos brasileiros. Hoje tudo está diferente. Não existe a mesma intimidade. Na fábrica onde trabalho atualmente, o relacionamento entre os funcionários só acontece da porta para dentro. Ninguém convida o colega para sair. Na primeira fábrica, tudo era muito diferente. Tínhamos reunião toda a semana e quem dava boas idéias era premiado com dinheiro. O valor arrecadado era usado pelo próprio grupo em karaokês. O pessoal era mais unido porque havia poucos brasileiros”.
“Em casa, as meninas que moravam juntas se ajudavam sempre quando alguém chorava. Para fazer as compras no supermercado, íamos em cinco. Eu lia o hiragana e o katakana [alfabetos japoneses], mas não entendia. Gostava muito de comer um enlatado, que acreditava ser sardinha, e só fui descobrir, depois de muitos anos no Japão, que aquilo era chicken [frango]. Como sou chata para comida, trouxe uma mala só de mantimentos com sardinha, salame e feijão. Há nove anos, não existia lojas de produtos brasileiros como agora. Lembro do meu primeiro dia no trabalho, quando almocei na fábrica. Vi o prato e nem tive coragem de experimentar: era um monte de cozido que foi para o lixo. Com o tempo, fui me acostumando e até aprendi a tomar missoshiru [soja japonesa]. Acredite ou não, nunca tinha tomado no Brasil. Agora a situação se inverteu. Estou desacostumada com coisas do meu próprio país.”
“Tinha 19 anos quando decidi vir ao Japão, em 1990. Havia terminado o colegial em São Paulo e fazia arubaito [bico] num banco. Não levava muito a sério o trabalho. Perdi meu pai em 1983 e, em casa, éramos eu, minha mãe e dois irmãos. Foi por influência de um deles, o Maurício, que me animei a viajar. Ele deixou o Brasil em 1989 e voltou só em 1996 para montar um negócio próprio. Ele me dizia que eu deveria conhecer o país e tomou o cuidado de avisar que o Japão não era como o Brasil, que eu precisaria trabalhar muito e o serviço era pesado. Eu comecei a sentir medo no dia do vôo para o Japão. Desembarquei em Narita e fui para Toyohashi, na província de Aichi. Quando saí da estação de trem, caí na realidade: estava no Japão. Fui morar num apartamento muito pequeno e, como tudo era diferente, comecei a chorar.”
“Acredito que a melhor época no Japão foi quando cheguei. Penso em um dia retornar ao Brasil, mas ainda não sei quando. Sou muito impulsiva. Talvez volte, talvez não volte. Se tivesse voltado há seis anos, teria pique para recomeçar os estudos. Hoje, não penso muito sobre isso. No Japão, adquiri minha individualidade. Moro num apartamento alugado e ganho um salário compatível para me manter sozinha. Se estivesse no Brasil, jamais teria essa independência”.