Conteúdo da Hashitag #22

Perfil do chef Masanobu Haraguchi

chef Masanobu Haraguchi Ban

O chef Masanobu Haraguchi é tímido e resguardado, o que não tira o brilho de seu trabalho que é referência na cozinha japonesa no Brasil. Foto: Rafael Salvador

Tímido, austero, resguardado e avesso a promoções pessoais. Talvez por isso, o chef Masanobu Haraguchi seja pouco conhecido na mídia gastronômica. Mas quem sabe, sabe. Sua cozinha é procurada especialmente por empresários e expatriados japoneses, bem como representantes de instituições governamentais do Japão que procuram um sabor autêntico. #Hashitag driblou os obstáculos e conseguiu depoimentos e informações que demonstram por que o chef Haraguchi deve ser considerado a referência mais reluzente da cozinha japonesa no Brasil.

Formação do chef Masanobu Haraguchi

Foi em 1979, então com 26 anos, que o jovem Haraguchi chegou ao Brasil, com um certificado da Associação de Cozinheiros do Japão e um emprego garantido: seria o máster chef do Suntory, o suntuoso templo gastronômico que havia sido inaugurado em São Paulo. Para conquistar esse cargo, ele carregava em suas costas uma invejável trajetória profissional. Começou como ajudante de cozinha, aos 18 anos, em Kansai, num ryotei chamado Kagairô, fundado em 1830, requintado estabelecimento que serve banquetes.

 

Seu mestre era ninguém menos que Ban Shuzo, um gênio da cozinha kaiseki, a mais sofisticada e completa categoria da culinária japonesa. O jovem Haraguchi foi designado discípulo principal do mestre. “Era uma dedicação exclusiva que se iniciava nas primeiras horas da manhã e seguia até tarde da noite, quando eu o levava para a estação de trem”, recorda Haraguchi.

Era Haraguchi também que recebia as repreensões, em nome da brigada, quando acontecia algum erro no serviço. “Tudo isso só me deixou mais forte”, avalia. Até o salário baixo era um estímulo para Haraguchi. Nas horas vagas da tarde, entre o almoço e o jantar, enquanto todos descansavam, o jovem Haraguchi arranjava bicos no mercado. Limpava peixe, trabalhava em rotisseries e até no Mercado Central.

A importância de um mestre

sashimi moriawase Ban

Sashimi moriawase com diferentes peixes Foto: Rafael Salvador

A dedicação ao mestre Ban valeu a pena. O jovem Masanobu Haraguchi assimilou todas as técnicas da alta culinária japonesa, numa rua repleta de templos da gastronomia, como o Kitcho, o Tsuruya e o Nadaman, todos eles com mais de 150 anos de história.

Iniciar a carreira num patamar tão elevado obrigou Haraguchi a ser mais exigente consigo mesmo. Naquele mundo não havia meio termo. O único padrão aceitável era o da excelência. Com o certificado da Associação de Cozinheiros do Japão, um diploma de proficiência que atesta o domínio técnico de todos os processos da culinária japonesa, o jovem Haraguchi quis conquistar o mundo.

Queria ir para os Estados Unidos testar o seu potencial. Pediu demissão do emprego, mas o restaurante não o liberou. “O sonho de ir para os Estados Unidos naufragou porque meu visto não foi aprovado. Mas logo surgiu a oportunidade de trabalhar no novo restaurante Suntory e insisti mais uma vez com o chefe, que finalmente consentiu”. Haraguchi estava pronto para voar.

Os dias no Suntory

Em março de 1979, Haraguchi chegava a São Paulo, a bordo de um avião da Pan-Am. Foi recebido com honrarias por um público que esperava por uma culinária japonesa autêntica. Eram empresários de multinacionais e representantes do consulado japonês. E foi para eles o primeiro jantar produzido no Suntory. No segundo dia, para os representantes da comunidade nipo-brasileira. E seguiram-se mais jantares especiais, todos os dias, culminando com montagem de cardápio para o serviço de cathering da JAL e da Varig. Os dias de masterchef eram extenuantes, mas absurdamente desafiadores.

“Foram seis anos no Suntory, e corria o risco de ficar estagnado”, admite hoje Haraguchi. “Acreditei que era o momento de me desafiar mais uma vez”. Estava então com 32 anos e pronto para oferecer seu potencial para mais pessoas, sem um padrão imposto.

Novos desafios

Nessa época, já existiam investidores interessados em vê-lo brilhar em outras paradas. Foi assim que Haraguchi passou pelo Semba, no bairro da Bela Vista, depois para o Miyabi, no prédio do Consulado Geral do Japão, ambos extintos, mas que se consagraram como templos gastronômicos graças à arte e técnica do mestre Haraguchi. Nestes dois endereços consolidou sua fama de ser o único chef que produzia o autêntico kaiseki, a sofisticada sequência de pratos da alta culinária japonesa.

“No Miyabi, era para poucos, a maioria executivos japoneses, para no mínimo cinco pessoas, e que era preparada com cinco dias de antecedência”. Quem provou, experimentou o padrão ritualístico do kaiseki oferecido nas casas seculares onde Haraguchi se formou, em Osaka. “Tive a oportunidade de oferecer a culinária da região de Kansai, até então pouco conhecida do público paulistano”, recorda com certo saudosismo.

Ao mestre, com carinho

Masanobu Haraguchi Ban

O nome do atual estabelecimento do chef Haraguchi é Ban, homenagem ao seu mestre Ban Shuzo. Foto: Rafael Salvador

À frente de seu próprio restaurante e sem investidores externos, Haraguchi se mostra livre para praticar sua arte. O nome de seu estabelecimento, que fica no bairro da Liberdade, reduto de restaurantes japoneses tradicionais em São Paulo, é Ban. A escolha foi uma homenagem ao seu mestre Ban Shuzo, já falecido, e o restaurante foi inaugurado em 2011. “Ele foi meu norte, minha referência, e o que desenvolvo aqui é fruto de todo o aprendizado que absorvi sob sua orientação. Se eu cometer algum deslize, ele vai jogar um tamanco na minha cabeça”, brinca, sem esconder também sua reverência ao mestre.

“Hoje, o público brasileiro que aprecia a culinária japonesa mudou. As pessoas que viajaram para o Japão reconhecem quando um tempurá é bem feito, quando o corte do peixe está irretocável, quando existe equilíbrio no sushi ou quando um nabe (cozido) tem consistência”, avalia.

A cozinha de Haraguchi

No sushi, por exemplo, Haraguchi é complacente com o cliente. Serve o shari (bolinho) conforme a preferência do freguês: mais pressionado ou mais fofo, a ponto de o arroz se dissolver na boca. Nas sequências de kaiseki que ele ainda prepara com maestria, cada prato deve ser servido como uma obra-prima. Os cozidos devem ter um caldo dashi profundo, mas que também realcem os sabores de cada ingrediente.

As frituras devem ser servidas secas e crocantes, mas conservando a suculência por dentro. Os grelhados não podem receber fogo em demasia. Na sequência kaiseki, é importante não carregar no sabor de cada prato. Tudo deve ser temperado com suavidade, para que o conjunto seja enaltecido. Para os amantes de comida condimentada, esta receita pode desapontar. Mas este é o segredo do washoku, reconhecida como Patrimônio Cultural Intangível pela Unesco, em 2013: enaltecer o sabor e a textura naturais dos alimentos.

Uma mensagem para o Brasil

sukiyaki Ban Haraguchi

Sukiyaki pronto para o cozimento com apresentação impecável. Foto: Rafael Salvador

Apesar da educação espartana que teve, ele não tenta aplicar o mesmo método para seus funcionários. Mas insiste na expressão de gratidão no trato com o público. “Seja bem-vindo” e “Muito obrigado pela visita” são frases corriqueiras no seu restaurante. Em seu estabelecimento, o trabalho em equipe e a dedicação contam pontos. Em troca, Haraguchi se empenha em garantir aos funcionários o seu emprego. Sua mensagem final define bem sua política de trabalho.

“Também quero expressar minha gratidão à comunidade nipo-brasileira e aos brasileiros, que me acolheram nesta terra. Para receber a clientela japonesa, o natural seria contratar funcionários bilíngues. Mas aqui, faço questão de selecionar brasileiros não descendentes de japoneses. É a minha maneira de agradecer a este país. Dando emprego a eles e abrindo uma oportunidade para que sejam introduzidos no universo da cultura japonesa”.

Jo Takahashi Jo Takahashi foi consultor de arte e cultura na Japan Foundation, onde atuou por 25 anos como administrador cultural. Agora, migra essa experiência para a sua produtora independente, a Dô Cultural, que propõe um conceito design de formatar e desenvolver o projeto cultural.
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