Papo com Adegão: Harmonize com o que desejar
Durante os meus 12 anos de trabalho com sakes, milhares de e-mails chegaram à minha caixa de mensagens e uma delas foi: “sake harmoniza com o que?” Nós, como sommeliers, devemos orientar qual tipo de sake combina com um determinado prato. Orientar e não determinar.
Pois bem, uma bela noite jantei sozinho em um restaurante caro de São Paulo do qual conhecia bem a carta de sakes, pois eu mesmo assinei. O que me causou certo desconforto é que o garçom que me atendeu ficava me pressionando a aceitar um rótulo que ele queria combinar com o prato que pedi.
– Senhor, com este prato, eu sugiro este sake, fresco e seco com final prolongado.
– Muito obrigado pela sugestão. Mas, declinarei da sua sugestão e gostaria deste aqui, mais frutado e levemente seco.
– Senhor, é que o meu trabalho é fazer com que o senhor aproveite o máximo da bebida e da comida. Acredito que o sabor deste sake mais suave e frutado irá se perder com o sabor intenso desta carne.
– Entendo. Quantos sakes da sua sugestão vocês têm em estoque? Tem que desová-los com os clientes?
– Não, de forma alguma. Estou apenas pensando no bem estar do senhor.
– Bom, por enquanto o meu bem estar é ter algo que estou pedindo. Sabe, hoje não estou com nem um pouco de vontade de harmonizar nada. Penso em combinar o sake e a comida com a minha fase da vida. Pode ser?
E foi ele insatisfeito buscar o sake que eu pedi. Claro que, nesse meio tempo, a comida chegou. Eu calculava beber uma taça do sake, preparar o meu paladar e apetite, mas não deu. Jantei assim mesmo, bebendo o sake aperitivo como digestivo.
O papel do sommelier, no meu ponto de vista, é educar o consumidor de forma cordial, discreta e com muito cuidado. Não devemos incomodar ou constranger o cliente de forma alguma.
Na harmonização de bebidas alcoólicas com a comida, há um roteiro a seguir. Mas, é apenas um guia e não uma avenida obrigatória. Por teoria, não devemos combinar sakes secos com doces. Mas, meu avô, um grande entendedor de sakes, bebia o seu sake com duas fatias de yôkan, um doce feito de massa de azuki e chá verde.
A conclusão que se chega é que: esse papo de harmonização não importa muito. Gosto e paladar de cada um é o mesmo que contar as estrelas no céu. Quem deseja seguir a teoria, vai aproveitar bem os dois alimentos. Quem não quiser, irá harmonizar com algo mais global. Quem sabe com o momento ou com a vontade de descobrir novas combinações. Somos livres.
Muitos vão discordar com o que eu escrevi e acreditam que “devemos” seguir a teoria. Então, vamos lá. Você sabia que temos a instrução de não harmonizar a maioria dos sakes com sushis?
Concorda ou não concorda?