O que é omotenashi?
Nem mesmo os japoneses sabem corretamente o significado da palavra. Segundo o Kojien, o equivalente ao Aurélio daqui, Omotenashi é explicado como entretenimento, cortesia, hospitalidade, atitude de bem receber.
O termo foi criado na era Heian e Muromachi, entre os séculos 8 e 16, um longo período em que o Japão consolidou as bases estéticas de sua cultura, quando se iniciou a prática da cerimônia do chá e, com ela, o ritual de bem receber e servir as visitas.
Daí, a prática foi evoluindo e transformando-se numa quase filosofia, ao considerar o próximo mais importante do que a si mesmo. Uma prática que vemos no espírito de coletividade e civilidade que caracterizam o povo japonês, até em momentos críticos, como foi no caso das catástrofes naturais que aconteceram em Fukushima e mais recentemente em Kumamoto.
A palavra omotenashi é explicada também como um gesto que não tem frente nem verso (omote, frente e nashi, sem). Ou seja, sem segundas intenções. Uma atitude de transparência, em que não se espera nada em troca. Apenas o prazer de bem servir, para que o consumidor do serviço atinja a plena satisfação.
Para os japoneses, este gesto virou uma espécie de patrimônio imaterial, e zelar por ele tornou-se um ponto de honra. Muitos consideram o omotenashi como o elemento que serve de alicerce para os serviços de qualidade em atendimento que vemos nos aeroportos, no transporte público, nos serviços de uma forma geral e, claro, com mais ênfase na indústria da hospitalidade, como em hotéis. Na prática, o omotenashi é adotado inconscientemente em tudo que se exige comunicação pessoal.
Hoje, com foco no atendimento de excelência, muitas empresas adotam o omotenashi em seus manuais de administração, como uma regra a ser seguida pelos seus funcionários, mas os puristas em cultura japonesa recomendam que o comportamento deve partir da iniciativa própria, e não ser imposta, para ser verdadeira.
Hospitalidade e omotenashi: diferenças
Hospitalidade e omotenashi diferem em seus conceitos fundamentais. A hospitalidade está baseada em procedimentos de conduta e tem uma conotação mais comportamental. São regras básicas para não provocar sensações desagradáveis ao usuário do serviço.
Está intimamente ligado à “prestação de serviço”, e, como tal, há uma relação de subordinação entre o prestador de serviço e o cliente. Em sua origem, o termo “serviço” vem de “servitus”, ou escravidão. Nesta relação, o cliente é rei e o atendente é um serviçal. Com o estabelecimento de uma relação de dependência, surgiu a necessidade no mundo capitalista, de precificar o serviço. Daí, por exemplo, surgiu a taxa de serviço, os famosos 10% de gorjeta.
A prestação de serviço pode ser dividida em três categorias: atendimento pessoal, materiais (brindes, por exemplo) ou uma compensação monetária (desconto no preço total).
Na categoria de atendimento, uma qualificação mais especializada é a hospitalidade, um conceito de relacionamento exclusivo, votado para o bem estar do consumidor. A grande diferença entre a hospitalidade ocidental e o omotenashi japonês está na postura espiritual do atendente e a sua expressão.
Consideração visual e afetiva
O conceito de wabi sabi presente na cerimônia do chá enaltece a reserva nas atitudes, para não invadir o espaço do outro. Por exemplo, o preparo do aposento num hotel, antes de o hóspede entrar, é um ato anônimo, discreto, sem ostentação, é uma das características do omotenashi. Não se trata de seguir um padrão, mas fazê-lo com profundidade, atentando para os detalhes. Nas empresas, trata-se de colocar em prática atitudes que tornem a convivência entre funcionários mais agradável, sem ser invasivo ou inconveniente.
A diferença entre hospitalidade e omotenashi é que na primeira há uma regra de bom atendimento equacionada como universal e genérica. No omotenashi, deverá haver uma atitude proativa de satisfazer as expectativas do usuário, tornando a prestação de serviço um ato de consideração extrema para com o consumidor.
As insatisfações no atendimento geram reclamações, e frequentemente os clientes irão procurar outros serviços. Uma prestação de serviços apenas regular também pode gerar a fuga para outros estabelecimentos concorrentes. Consumidores são curiosos em conhecer outros serviços. No entanto, havendo uma relação de confiança profunda, o consumidor tende a ser fiel. A satisfação gerada por essa confiança é resultado de um tratamento omotenashi.
Omotenashi como prática cultural
No Japão existem muitos rituais, cerimônias e esportes que são considerados caminho (dô). A cerimônia do chá (chadô), a arte da escrita (shodô), o ikebana (kadô), a arte dos aromas (koudô), esportes como o judô, kendô, aikidô e kyudô. Há as artes que não recebem o sufixo dô, mas pertencem ao mesmo universo da rigorosa prática, como é o caso do kabuki, nô e kyoguen.
O dô estabelece um caminho pelo qual o praticante deve passar para atingir a perfeição. No chadô, a cerimônia do chá, o caminho é aprimorar sua postura espiritual através do ato de preparar e servir o chá. A amplitude de visão perante a vida é proporcionada quando o praticante aprecia a beleza da cerâmica e da natureza que envolve a sala de chá, práticas que extrapolam o simples ato de se tomar o chá.
No bushidô, o caminho do samurai, o rigor é enaltecido por posturas morais e éticas. Em todas elas, a prática não tem por fim enrijecer seu comportamento, mas sim, aplicá-lo no dia a dia, em benefício e consideração para com o próximo.
O omotenashi é um estado de espírito voltado para a vontade de oferecer o melhor para o consumidor, cliente ou mesmo para o próximo de uma forma geral. Enfim, uma manifestação de respeito máximo para com o outro.
No Japão, a prática do omotenashi é uma norma implantada em praticamente todos os estabelecimentos, especialmente em hotéis, restaurantes e até lanchonetes. Mesmo nos serviços públicos, aqueles em que a burocracia vira escudo para esconder as imperfeições do sistema, foi implantado uma norma de conduta proativa de bom atendimento, que resolva com eficiência os problemas apresentados pelos consumidores. A qualidade dos serviços subiu assustadoramente nas últimas duas décadas, a ponto de agora o Japão sofrer um dilema: não há mais metas que não tenham sido atingidas para consolidar a excelência no atendimento.
Omotenashi e celebridades
A apresentadora franco-japonesa Christel Takikawa justificou por que Tóquio era a cidade mais adequada para receber as Olimpíadas de 2020 perante o Comitê Olímpico Internacional com apenas uma palavra: exatamente, o omotenashi. Disse que este era o segredo que permite aos japoneses acolherem com tanta simpatia gente de todos os cantos do planeta com segurança, afetividade e conforto. Convenceu o comitê e faturou as Olimpíadas.
Na culinária, a designer Junko Koshino define omotenashi como a arte de servir uma comida que primeiro seduza os olhos. “Delicioso, em japonês, é escrito com dois ideogramas: beleza e sabor, nesta ordem”, justifica a designer. Em parceria com o chef Shin Koike, ela produziu um coquetel na residência do cônsul-geral do Japão em São Paulo, no qual estas premissas foram aplicadas. A beleza do design na montagem dos pratos era fruto de um projeto visual concebido em parceria entre seu estúdio e a cozinha de Shin. Esse requinte visual proporciona uma ambientação que resume o espírito do omotenashi.
O projeto Cool Japan, promovido pelo governo japonês para divulgar a elegância dos produtos japoneses, procura divulgar conceitos como o omotenashi no exterior e atrair mais turistas para o país. A impressão que fica é que existe um consenso, em política externa, de que o omotenashi está sendo explorado também como uma nova estratégia de dinamização da economia nacional.