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A retomada do chá preto
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Todos os dias, Elisabete Umeko Shimada acorda às quatro e meia da manhã, faz a ginástica matinal, toma um café da manhã reforçado para mais um dia de trabalho: cuidar da plantação de chá do sítio Shimada.
A senhora de 88 anos é responsável pela colheita dos brotos que dão origem ao chá preto Obaatian, produzido no chazal localizado em Registro, no Vale do Ribeira (SP). Ela acompanha de perto a preparação artesanal das folhas e há um ano abraçou uma nova causa: a retomada da produção do chá do vale.
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
O fator que mudou a vida de Umeko foi quando seu principal comprador precisou diminuir a produção e cortar a compra dos brotos. O que parecia uma notícia ruim acabou se tornando um marco importante para ela, já que foi assim que começou a história do Chá da Vovó. “Eu quase não dormia porque ficava preocupada com a situação do chazal”, conta Umeko ao lembrar que o mato foi tomando conta da plantação.
Com a ajuda do colega registrense Tomio Makiuchi, recuperou uma máquina do ferro-velho e construiu a usina artesanal de chá preto nos fundos de sua casa. “Amigos e ex-produtores também deram dicas sobre como processar as folhas e, assim, começamos a produção”, conta Bernadete Shimada Hamasaki, filha de Umeko.
A plantação é livre de agrotóxicos e a produção é artesanal. A filha Teresinha aprendeu os procedimentos de secagem e oxidação das folhas e toda a família se mobilizou para criar a marca do chá, desde a criação do logo e das embalagens até o porcionamento e as vendas.
Em novembro de 2014, foi lançado o Obaatian, que é um trocadilho com as palavras 茶 (lê-se tcha, para chá em japonês) e おばあちゃん (obaatian, que significa avó).
A mágica do chá preto começa na colheita e é sentida no momento de apreciá-lo. Isso acontece porque uma série de fatores contribui para definir a qualidade da bebida.
- Elisabete Umeko lembra, com carinho, da história do chá e da família Shimada
- Elisabete mostra como é feita a colheita do chá artesanal Obaachan
- É na primavera que se colhe os melhores brotos de chá
- “Só pego os melhores brotos, pois só assim se faz um bom chá”, disse Elisabete
Os melhores brotos
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Uma das principais características que conferem os sabores aos chás é a seleção das folhas. Quanto mais novas as folhas, mais suave será a sensação do paladar. A senhora Umeko explica que apenas os brotos que formam um ramo com duas folhas novas e um botão é que devem ser colhidos um a um, para garantir o frescor do chá. “Não pode ter galhos ou folhas mais velhas, senão o chá não fica bom”.
Ao usar máquinas, por exemplo, a colheita acaba trazendo folhas maiores e outras partes da planta que não são bem-vindas na produção dos chás mais refinados.
Cerca de dez dias depois da colheita, novos brotos começam a aparecer para uma nova leva de chás.
O terroir
A produção do sítio Shimada fica em Registro, a 175 km da capital do estado de São Paulo. O clima e solo favoráveis ao crescimento da Camellia sinensis e o investimento dos imigrantes japoneses na época da colonização da região contribuíram para que as plantações prosperassem.
A diferença do chá produzido em Registro em relação às grandes produtoras internacionais está na preservação do solo, livre de vestígios de metais pesados “que geralmente são encontrados em plantações de grande escala em que passam máquinas”, explica Sylvia Rodrigues, especialista em chás da casa Teakettle (em São Paulo). “Isso acaba refletindo no desenvolvimento da planta e consequentemente no sabor do chá”.
- Depois de secas, as folhas continuam quase inteiras e exalam um aroma delicado
- Em seguida, as folhas são submetidas ao calor para secagem.
- Primeiro as folhas são colocadas para secar à sombra. Depois, passam pela máquina desenvolvida para enrolar e acelerar o processo de oxidação.
- Depois de colhidas, as folhas são levadas para o processamento
O processamento
Todo o processamento das folhas é feito de maneira artesanal e passa pelo controle da exigente produtora Umeko. Depois de colher os brotos, ela conta que deve distribuí-los em telas para secagem. “Não pode encher muito o cesto porque senão fica muito pesado para carregar e pode estragar as folhas”, explica.
Depois, as folhas são passadas no enrolador para acelerar o processo de oxidação que dá a cor, o sabor e o aroma característicos do chá preto. Passado o tempo determinado, as folhas passam pela secagem no forno e fica pronto para o consumo.
Tudo é feito nos fundos da casa onde foi montada uma autêntica usina para o processamento de chás.
Para Sylvia, o chá de Registro é um chá “que não fica atrás dos melhores chás do mundo, nem mesmo dos famosos Darjeeling”. Ela conta que gosta de fazer testes com seus clientes e muitos escolhem, só de olhar para as folhas, o chá nacional. “Isso acontece porque no processo artesanal, as folhas ficam inteiras, não são machucadas”, observa a especialista.
Que tal um chá?
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Em busca de novas combinações, a chef gelatière Marcia Garbin e a jornalista apaixonada por chás Paula Moura se lançaram ao desafio de harmonizar gelatos e chás. “A harmonização com cafés já é bastante conhecida e, como eu gosto de chás, pensei: “por que não tentar?’”, conta Marcia, da Gelato Boutique.
É destes questionamentos que partem as melhores descobertas. E não é que dessa brincadeira surgiram combinações inusitadas que surpreendem o paladar? Entre uma experiência e outra, os testes sensoriais se transformaram em três workshops ministrados na gelateria que trouxeram o universo dos chás para dentro do universo dos gelatos.
Algumas das combinações de sabores até inspirou novas criações, como o sorvete de matcha, que, de acordo com Garbin, fez tanto sucesso que virou um sabor fixo na casa. O Chá da Vovó também a surpreendeu pela delicadeza e aroma. “Ele é incrível e fica ótimo com o sorvete de três baunilhas (do Cerrado, Taiti e Madagascar) e harmoniza bem com o sorvete de chocolate com maracujá. É surpreendente como ele vai bem com o chocolate também”, observa a gelatière , que explica que um complementa o outro e evidencia novos sabores que não se perceberia ao tomar apenas o chá, por exemplo. “O chocolate traz à tona as notas florais do chá”, completa.
De acordo com Paula, o chá também pode ser comparado aos melhores chás pretos do mundo, pois “a escolha adequada dos brotos e o cuidado na hora da secagem fazem a diferença”. “A terra e a água”, avalia, “influenciam no sabor do chá, mas o processamento faz toda a diferença”.
Com o pão de queijo, o chá preto também forma uma combinação ideal. “O queijo é umami, o chá é umami. Isso faz um casamento perfeito”, explica a saquê sommelier Sônia Yamane, ao explicar que entender os gostos enriquece a experiência de degustar a comida.
A pâtissier Vivianne Wakuda também provou o chá e conta que tanto a infusão a frio ou quente mantém o sabor delicado e deixam o chá suave e levemente adocicado.
A convite da #Hashitag, ela aceitou o desafio de criar uma receita com o Chá da Vovó. “Eu queria trazer o sabor do chá para uma receita leve, com um leve toque de leite sem perder a essência dele. Acho que combina muito bem com o sabor da laranja bahia, que aparece em forma de raspas no creme.”
- A Gelato Boutique fica na Rua Pamplona, 1023, em São Paulo
- Veja a receita completa do Crème Brûlée criado pela chef pâtissier Vivi Wakuda com o Chá da Vovó
- Paula Moura é apaixonada por chás e ministrou o workshop sobre harmonização de chás com gelato
- Gelato de três baunilhas, da Gelato Boutique harmoniza com o Chá da Vovó
- A chef gelatière Márcia Garbin cria novas combinações de sabores na Gelato Boutique
- Sylvia Rodrigues é especialista em chás, da TeaKettle Casa de Chá (Rua Alexandre Dumas, 1049-SP)
Os caminhos do chá
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O desenvolvimento da teicultura na região de Registro foi incentivada sobretudo pela colonizadora japonesa que dava suporte aos imigrantes que se estabeleceram na cidade. Inclusive, o crescimento da produção de chá preto entre as décadas de 30 e 90 fez com que a cidade ganhasse importância nacional no cenário agrícola.
Nos tempos áureos dos anos 70, a região ficou conhecida como a “capital brasileira do chá” e chegou a ganhar espaço no mercado internacional com a exportação de chá preto para os Estados Unidos, Chile, Uruguai e até para o Reino Unido.
Com o passar dos anos, o contexto econômico desfavorável fez com que as fábricas e plantações de chá diminuíssem a produção. A região perdeu espaço para as plantações de banana e palmito pupunha, e o chá acabou ficando em segundo plano.
Porém, as plantações e fábricas ainda estão lá, ainda que abandonadas. Por isso, os remanescentes querem retomar a produtividade da região. “Estamos otimistas e quero que as próximas gerações voltem a acreditar no chá”, observa Umeko.
Onde encontrar o Chá da Vovó?
Algumas cafeterias e casas de chá de São Paulo vendem os pacotes de 50 g e 100g e estão identificadas na seção Onde Tomar Chá (página 30 da edição impressa).
- Aoba Matsuri (feira de orgânicos)
Onde: R. Fagundes, 152 – Liberdade, São Paulo – SP (1º e 3º sábado do mês)
- Feira do Produtor de Registro
Onde: Rua José Antônio de Campos – Centro, Registro – SP (aos domingos)
Clique para assistir ao vídeo
Veja mais em: www.obaatian.com.br
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