Papo de Izakaya: Odeia saquê?
Seja bem-vindo! O que vou contar aconteceu há alguns anos em São Paulo. Era uma noite chuvosa de março quando entrei em um renomado restaurante japonês dos Jardins, com uma garrafa de saquê que acabava de chegar no Brasil.
Costumo selecionar um bom saquê para testar a harmonização com pratos bem elaborados e, claro, serve como pretexto para beber.
Me sentei no canto do balcão em “U”, meu lugar preferido e quase exclusivo. Um paredão de garrafas de saquês japoneses olhavam para mais um colega que estava chegando na casa, junto com olhares dos 2 sushimen e da brigada.
Quem acha legal trabalhar com bebidas alcoólicas, não sabe o trabalho que dá. De certa forma é prazeroso, mas tem dias que você não está muito a fim. Provo o saquê nas temperaturas frias, ambiente e quente; em diferentes formatos de recipientes e testo a combinação com os pratos.
Papo vai, papo vem e, de repente, entraram três moças lindas que se sentaram nas últimas cadeiras das 12 que cercavam o balcão – que, por sinal, estavam ao meu lado. Entretido com o saquê e várias porções de tsumamis (petiscos) para testar as combinações, o fato só me tirou a atenção quando o garçom, depois de tirar o pedido das moças, perguntou o que elas iriam beber. Duas delas, por estarem em um restaurante japonês, escolheram saquê. A terceira e a que sentou bem ao meu lado disse:
“Eu odeio saquê”.
Neste momento, toda a atmosfera do recinto se congelou, o garçom e um dos sushimen discretamente olhou em minha direção. Eu estava de cabeça baixa, checando o aroma do saquê em vários recipientes e temperatura. Claro que ouvi, mas não reagi, afinal, o restaurante não é meu e não havia motivo para me aborrecer. Senti a preocupação do pessoal, uma vez que tenho um temperamento um pouco… destrutivo.
Resolvi agir de uma forma diferente. Pedi uma taça de degustação de vinho, servi um pouco do meu saquê e como se escorregasse pelo balcão, servi a moça. Ela observando com uma certa desconfiança, me perguntou o que era. Simplesmente disse que era uma bebida que acabara de chegar do exterior e que gostaria de outras opiniões, escondendo o rótulo da garrafa.
Ouvindo isso, pegou a taça e já se encantara com o aroma bem frutado de um Junmai Guinjo. Ao colocar o primeiro gole na boca percebi os seus ombros caírem lentamente, os olhos se fechando e um leve vai e vem dos lábios para os lados. Abriu os olhos e
“Nossa, que delícia!! Gente, que elegância, que delicadeza, que aroma. O que seria isso? Vou pedir.”
Não demonstrando nenhuma reação, nem contente, nem debochado, respondi: “É saquê”.
Claro que a loura de cabelos cacheados nas pontas, virou um tomate tamanha era a sua vergonha. E para constrange-la mais ainda, o garçom que as atendia me apresentou como Especialista em Saquês. Para contornar tudo isso, me esforcei ao máximo dizendo que não estava ali para julgar ou condenar ninguém e que respeito a opinião de cada um.
Depois de tsunamis de “Ai, meu Deus” e “Ai, que vergonha” e servindo também às duas amigas, passamos o resto da noite dando risadas e, de quebra, fui “regando” os copos de todos que estavam no balcão.
Entramos no restaurante todos desconhecidos e saímos trocando cartões de visitas, contatos e número de telefones. A propósito, a moça que “odeia os saquês” se tornou uma das excelentes clientes da minha loja.
Moral da história: “Para amar ou odiar algo, você terá de conhecer bem o assunto”.