Papo de Izakaya: Hanamizake
Primavera: estação da renovação, do colorido, da vida, do reinício. É assim que no Japão é recebido o “haru” ou, a primavera, como é chamada por lá. Início do ano fiscal, da declaração de imposto, da admissão em empresas e em escolas do ensino médio, das formaturas etc.
Também é a estação das cerejeiras, quando toda a população lota os parques, praças, e campos de sakuras, para um tradicional piquenique: muitos cantando, dançando, comendo e bebendo. Uma farra!
A coisa é bem mais cheia que os nossos food parks. Desde bebês até os mais idosos. Difícil é conseguir sentar ao pé de uma cerejeira. Aliás, é difícil sentar-se sem esbarrar em alguém.
Isso aconteceu comigo há alguns anos quando estive em Kyoto, no finalzinho de março. O pior é que nessa época eu ainda não tinha WhatsApp e para falar com a pessoa ao lado, precisava gritar. Eu e meus amigos estávamos em um lugar bem barulhento. Ao lado esquerdo, um bando de bêbados até que bem-comportados.
Agora, do lado direito… Ali sim a coisa estava bem tensa: um grupo de universitários que, ao que pareceu, eram recém-formados. Entendo a felicidade deles, pois sei que não é fácil se formar em uma universidade japonesa, de tão rígida que é.
As brincadeiras em torno das dez garrafas de 1800ml eram as triviais: beber um domburi (aquela tigela de lámen) cheia de sake, de uma vez só. Olhei alguns rótulos e eram bem sofisticados e incluíam Daiguinjos e Guinjos que custam caro no Brasil. Eu, apenas observando o grupo, percebi que a brincadeira continuava com um tentando superar o outro até que, lógico, um deles caiu de cara no chão. Estava na cara que aquilo ia acontecer. Típico de quem não bebe, mas é voluntariamente forçado a participar da farra, para ser aceito ou respeitado. Ridículo.
Nosso grupo, formado por alguns médicos, levou o moleque para um posto de saúde para tomar soro e glicose. Por ser jovem, depois de uma hora, ele estava bem melhor.
Voltamos para o mesmo parque e os estudantes nos agradeceram. Para a minha surpresa, o incidente causou um certo choque, pois aparentavam estar sóbrios. Juntamos os grupos e batemos um papo.
“Sabe” comecei, “todos nós aqui, já fizemos a nossa farra depois da formatura. Sabemos o quanto é bom comemorar a saída da sala de aula. Mas, o futuro de vocês começa agora. Não desperdicem isso por um acidente banal”. Continuei: “além disso, isso foi uma falta de respeito com aqueles que produziram o conteúdo que está dentro destas garrafas”.
Peguei um pequeno copo, servi saquê e estendi para o que desmaiou. Ele prontamente recusou justificando que não queria passar por aquilo de novo. “Quero mostrar como se aprecia a bebida, senão você irá condenar o saquê até o fim da vida. Tome e depois coma um pouco dessa conserva”, recomendei. O grupo provou a combinação e não faltaram elogios: “Nossa! Muito bom! Bem saboroso! ”.
Depois, bem mais em silêncio, comemoramos a formatura desses loucos ao estilo brasileiro.