Revista Hashitag 24 Conteúdo da Hashitag #24

B-kyu ryori, o lado B da gastronomia japonesa

B-kyu ryori

Espetinhos kushiyaki de frango e miúdos Tetawaki Nio

B-kyu ryori, o lado oculto da culinária japonesa, que vai da comida de boteco aos petiscos de rua, começa a ser explorado por turistas estrangeiros. O governo japonês, atento à demanda de visitantes que deverão chegar para as Olimpíadas de Tokyo, em 2020, já começa a investir na promoção dessa culinária popular.

O que se convencionou como washoku, a tradicional culinária japonesa, indicada como Patrimônio Cultural Intangível da Humanidade em 2013, é normalmente atribuído ao estilo kaiseki, uma sequência de pratos inspirados nas estações do ano, preparados com os ingredientes da época, valorizando especialmente o frescor e apresentação visual. Ou mesmo um sofisticado omakasê, aqueles banquetes de vários tempos, em que o chef parece narrar uma história, como em um filme cheio de detalhes para serem desvendados. Enfim, no subconsciente das pessoas, washoku virou sinônimo de refeição sofisticada, para ocasiões especiais.

Onigiri, bolinhos de arroz, na versão simples (à direita) e grelhadas Tatewaki Nio

Como nenhum mortal pode se deliciar com um kaiseki todos os dias, e nem todo dia é uma ocasião especial, a saída é apelar para o que é popularmente conhecido como o lado B da culinária japonesa, ou B-kyu ryori (bikyu ryori), como os japoneses nomeiam. Nesta categoria se enquadram as comidas de botecos (os izakaya), as comidas de rua (vendidas em carrocinhas chamadas yatai) e as de estabelecimentos especializados: os yakitori-ya (espetinhos de frango), oden-ya (cozido de legumes, massa de peixe, tofu e outras especiarias), horumon-ya (grelhados de miúdos de vaca e de porco), okonomiyaki-ya (a chamada pizza japonesa, feita de massa de farinha, frutos do mar e legumes e grelhada numa chapa). Devido às lanternas vermelhas de papel que muitos estabelecimentos instalavam na entrada, eles também eram chamados de “aka-chochin”, ou, literalmente, lanternas vermelhas, uma forma carinhosa de denominar os izakayas e casas de petiscos.

B-kyu ryori

“Lado B” pode soar pejorativo, mas inclui-se nessa categoria também a comida trivial do dia a dia preparada em casa, como o omuraisu (arroz com omelete, temperado com catchup, veja a receita aqui), o karê (curry, de origem indiana, que chegou ao Japão através de navios mercantes ingleses), o spaghetti naporitan (uma macarronada simplificada com molho à base de catchup e nada a ver com o tradicional spaghetti à la napolitana).

Apesar do ecletismo, essas comidas remetem à infância dos japoneses na faixa de 50 e 60 anos, e aguça a memória afetiva.

O único estabelecimento em São Paulo que serve o verdadeiro spaghetti naporitan à moda japonesa é o Izakaya Matsu, em Pinheiros. Não está no cardápio fixo e é servido somente no almoço como acompanhamento de alguns teishokus. O chef Toshi Akuta revela o segredo do molho: “É catchup com um pouco de aceto balsâmico”. O spaghetti japonês passa ainda por uma frigideira antes de ser montado. São procedimentos que deixariam qualquer italiano assustado. Mas o resultado é surpreendente.

Aliás, o Matsu é o templo da gastronomia japonesa popular por excelência e pode ser facilmente considerado o rei do lado B. O cardápio está todo pendurado sobre o balcão, em forma de bandeirinhas, além dos destaques do dia, que são anunciados num painel luminoso que destoa do conjunto, mas é chamativo. Sua asinha de frango já foi contemplada com o prêmio Comer e Beber da revista “Veja São Paulo” como o melhor petisco do ano. Faz sucesso também o guioza, recheado com bastante verdura, o que confere muita leveza ao pastelzinho. No Matsu eles recebem um acabamento com farinha e água sobre a frigideira. Assim, os guiozas saem todos unidos por uma folha crocante e rendada.

Uma receita do B-kyu ryori que é campeã de pedidos em botecos é o buta no kakuni, a barriga de porco, ou pancetta, em pedaços quadrados, cozidos por longas horas, até se retirar boa parte de sua gordura. Vários izakayas oferecem-no, mas um notabilizou-se pela sua pancetta macia, que literalmente desmancha na boca. É o Bueno, originalmente fundado pelo jovem lutador de sumô Fernando Kuroda, e que ficava no coração do bairro da Liberdade, na rua Galvão Bueno (daí o nome) e agora, em instalações mais clean, na alameda Santos, nos Jardins.

Buta no kakuni (barriga de porco) Rafael Salvador

As receitas do lado B geralmente são mais carregadas no tempero, para combinar com os acompanhamentos etílicos, como cerveja, sake, shochu e até whisky. Para suavizar a degustação, uma boa parceria é o oniguiri, o famoso bolinho de arroz. Nos botecos, eles podem ser servidos com recheios como ameixa curtida (umeboshi) ou peixes cozidos e temperados com shoyu, como o atum e salmão, de carnes menos fibrosas. Nas casas que possuem grelha de carvão, uma boa pedida é solicitá-las tostadas e levemente temperadas.

Longe de frequentar as mais sofisticadas mesas da gastronomia japonesa, esses pratos do B-kyu ryori são, contudo, representativos da alma do povo. Descompromissados de rituais e regras de etiqueta, correm soltos em botecos informais e até na rua e preenchem, com dignidade, o estômago de trabalhadores e estudantes de orçamento apertado e, por que não, de turistas estrangeiros praticando viagens econômicas.

Takoyaki

É considerado o petisco magistral. No Japão, é um dos mais populares e é vendido em barracas de rua, é item que não pode faltar em festivais.

A massa é feita de farinha e ovo, temperada com sal e extrato do peixe bonito desidratado e recebe na cobertura, um molho agridoce. Há versões ocidentalizadas com maionese. Mas não podem faltar tiras de alga nori por cima.

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Tamagoyaki: as omeletes japonesas

As omeletes temperadas com o caldo básico dashi são muito apreciadas no Japão, tanto nas refeições caseiras como nos botecos. Macia e aerada, a omelete tem um sabor levemente adocicado.
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Miúdos em geral

O aproveitamento de miúdos é uma característica da culinária lado B e está presente também nos espetinhos. Muito apreciado pelos japoneses com diferentes formas de preparo, os miúdos também têm um espaço reservado no B-kyu ryori.
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Jo Takahashi Jo Takahashi foi consultor de arte e cultura na Japan Foundation, onde atuou por 25 anos como administrador cultural. Agora, migra essa experiência para a sua produtora independente, a Dô Cultural, que propõe um conceito design de formatar e desenvolver o projeto cultural.
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