Capa: Aromas e texturas do mar
Moluscos e crustáceos estão entre os mais consumidos e apresentam sabores peculiares e exóticos. Para explorar as possibilidades que vêm do fundo do mar, #hashitag convidou o chef Nobu Ozaki, do restaurante Kei para preparar alguns pratos marinhos.
Segundo Ozaki, os clientes japoneses sentem falta da variedade de mariscos que costumam encontrar no Japão, por isso, faz questão de atendê-los com pratos que dificilmente são servidos em outros restaurantes do Brasil. “Gosto muito do abalone (awabi) ”, conta o chef ao lembrar do período em que morou no Japão. “Mas aqui no Brasil não tem. O que mais se aproxima dele é o saquaritá, que é exótico e fica bom tanto em pratos quentes como em pratos frios”. (Veja a receita de Tsubogai Sumissô neste link).
Atrás do balcão do Kei, o chef traz em sua bagagem mais de dez anos de vivências no Japão. “Fui na década de 90 e comecei trabalhando no hotel Hyakumangoku, que, na época, era o quinto melhor do Japão”, lembra. Depois, mudou-se para Fukuoka, onde trabalhou em uma peixaria que abastecia os principais mercados da cidade. Segundo o chef, o mercado japonês é bem diferente do brasileiro “pois tudo é muito fresco e muitos produtos chegam vivos, então temos que saber manipular os animais com cuidado para que se mantenham bem conservados até que cheguem ao cliente”.Ozaki observa que, por se tratar de um alimento perecível, é preciso prestar atenção ao armazenamento, sempre em locais refrigerados. “Os mariscos estragam muito rápido e depois que são trazidos ao restaurante, devem ser consumidos em até três dias”, recomenda. O ideal é que sejam consumidos frescos, quando preservam a cor natural e o aroma suave. No caso de produtos congelados, o chef adverte que o descongelamento deve ser lento e em local refrigerado para evitar contaminação e deterioração do ingrediente.
“Na culinária japonesa, o segredo está em destacar o sabor próprio de cada ingrediente, por isso, o tempero costuma ser mais suave, com adição de poucos temperos”, explica. Para a reportagem de #hashitag, o chef preparou uma sequência de pratos do mar para serem harmonizados com saquê, indicados pelo sommelier de saquê Hideaki Watanabe.
“Cada tipo de saquê tem uma característica que pode combinar com o sabor de cada prato”, explica Watanabe. De acordo com o especialista, é preciso levar em conta o sabor do ingrediente, dos temperos e o modo de preparo do prato para escolher um saquê que harmonize e potencialize a experiência gustativa do comensal.
Ostra
A ostra-do-pacífico, ou ostra japonesa, é originária do Pacífico e é encontrada naturalmente no leste asiático. É considerada uma das especialidades da culinária da província de Hiroshima, onde as ostras podem chegar a 25 cm. No Brasil, a produção de ostras concentra-se no litoral de Santa Catarina e São Paulo.
A ostra fresca apresenta cor clara e acinzentada, além de gosto levemente salgado (no inverno, tende a ficar mais adocicado).
Ela pode ser consumida fresca sobre o sushi (tipo gunkan maki), empanada, grelhada na meia concha e também em cozida com arroz.
Na apresentação do chef Ozaki, as ostras frescas foram servidas com ovas de massago, que conferem uma textura firme e sabor refrescante ao prato temperado com yuzu ponzu, que dá ao prato um toque de acidez e notas cítricas.
Ostras frescas com ovas de massago
Harmonizado com: “Nama”
(produzido sem pasteurização) <5-10°C>
O sabor fresco do namazake harmoniza melhor com comida crua e refrescante
Centolla
O caranguejo gigante tem uma textura macia, sabor adocicado e uma cor levemente alaranjada. No Brasil, geralmente a centolla é importada da costa do Chile ou do sul da Argentina (Patagônia).
Para o preparo do caranguejo, o chef Ozaki, explica que é possível aproveitar cerca de 80% do animal: “além da carne das patas, a parte interna do corpo tem músculos laterais muito saborosos”.
Pode ser servido em ensopados ou como sashimi (depois de submetê-lo ao branqueamento), com yuzu ponzu, momiji oroshi e cebolinha.
Sashimi de centolla
Harmonizado com: “Yamahai-moto”(usa ácido lático natural, produzido sem Yamaoroshi – processo para apressar a sacarificação) <7-15°C>
Tem boa acidez e harmoniza com o gosto umami da centolla
Vieira
A vieira é suculenta e macia, de sabor bem suave e levemente adocicado. Delicada, a carne pode ser servida crua como sashimi ou sushi, especialmente no verão.
Ela deve ser cozida rapidamente para que não passe do ponto, por isso, é preciso prestar muita atenção ao seu ponto de cocção (quando ela começa a adquirir textura firme e cor opaca).
Pode ser servida grelhada (apenas tostada por fora) e temperada com missô e saquê, acompanhado de enoki e brócolis e harmoniza com um saquê mais encorpado.
Vieira grelhada com missô
Harmonizado com: “Kimoto” (usa ácido lático natural e levedura forte, o método de produção é mais tradicional) <35-40°C>
Saquê encorpado, harmoniza com molho denso como missô
Mexilhão
O mexilhão pode ser cozido no vapor, grelhado, assado e faz ótimos caldos. Antes de ser usado, precisa ser bem lavado e escovado. No processo de cocção, as conchas devem abrir.
Caso contrário, devem ser descartadas. Além disso, é preciso tomar cuidado para que não passem do ponto, pois podem adquirir uma consistência dura.
Depois de cozido, mantém-se suculento com sabor levemente salgado. A cor não é um indicador de qualidade, e sim do sexo do mexilhão: laranja indica que é fêmea e a cor branca, que é macho. O mexilhão cozido no vapor com saquê, shimeji e tofu aproveita todo o sabor do marisco e forma um caldo extremamente saboroso.
Mexilhão cozido no vapor com saquê
Harmonizado com: “Honjozo” (pelo menos 30% de polimento do arroz) <40-45°C>
O aroma não é forte e o sabor é simples. Harmoniza com comida cozida com saquê
Siri mole
O siri mole tem a textura macia e não possui a “casca” dura característica dos crustáceos porque é capturado no período de troca do exoesqueleto. Isso acontece porque o siri precisa trocar a casca no período de crescimento e até que a nova proteção se desenvolva, ele permanece mole.
O siri mole pode ser consumido inteiro, inclusive as vísceras, e geralmente é empanado e frito em imersão, oferecendo uma crosta crocante e garantindo um interior suculento levemente salgado e adocicado ao mesmo tempo.
O tempurá é servido com sal temperado com curry que dá um toque sutil ao prato sem ofuscar o sabor natural do siri mole. A dica do sake sommelier Watanabe é harmonizar o prato com um karakuchi junmai (seco, sem adição de álcool destilado).
Tempurá de siri mole e sal com curry
Harmonizado com: “Karakuchi Junmai” (“karakuchi” significa seco e “junmai”, produzido somente com arroz, koji e água)
Vôngole
De sabor marcante, é um ótimo ingrediente para caldos (suimono, missoshiru) ou para salada temperada com molho vinagrete. Assim como o mexilhão, se o vôngole não se abrir com o calor, é porque já estava morto e deve ser descartado.
O suimono (consommé) é um tipo de sopa clara, geralmente servida no final da degustação ou depois de uma sequência de sashimis ou entradas. “Um tempero muito usado no preparo de suimonos é o yuzu, que dá um aroma cítrico bem leve ao prato”, explica Ozaki.
Neste caldo feito com alga kombu e saquê, o vôngole ganha destaque e prepara um caldo saboroso para ser degustado em pequenas doses.
Suimono de vôngole
Harmonizado com: “Junmai” (produzido somente com arroz, koji e água)
O sabor rico e encorpado harmoniza com frutos do mar e também com o gosto umami da alga kombu
Saquaritá
O marisco tem um sabor exótico, textura mais resiliente e é levemente “borrachudo”. Lembra o sabor do awabi (abalone).
Geralmente já é vendido sem a concha, mas é preciso lavá-lo bem para tirar as impurezas. A parte escura que vem anexada à carne também deve ser descartada.
No tsubogai ao sumissô preparado por Ozaki, foram acrescentadas ovas de salmão e pepino, além de shissô e raspas de laranja que conferem refrescância ao prato.
Tsubogai ao molho sumissô, com ovas de salmão e pepino
Harmonizado com: “Dai-ginjo” (pelo menos 50% de polimento do arroz) <10-15°C> O saquê ginjo tem aroma agradável e sabor fino, harmoniza com molho como o sumissô, laranja e shissô que têm aromas perfumados