Sumiê – a arte em preto-e-branco

Quatro temas nobres

A arte sumiê possui alguns temas recorrentes. Os mais importantes são os quatros nobres, ou shikunshi, em japonês, que evidenciam a profunda ligação com a natureza. São eles: a orquídea selvagem, o bambu, a ameixeira e o crisântemo.

0302_sumie_crisantemo_150.jpg
crisântemo
0302_sumie_ameixeira_150.jpg
ameixeira
0302_sumie_bambu_150.jpg
bambu
0302_sumie_orquidea_150.jpg
orquídea

Considerada a mãe da pintura sumiê, a orquídea selvagem representa o verão, um espírito jovial, símbolo da graça e das virtudes femininas. São apreciadas a beleza e graça de sua forma frágil, sem tendências violentas, e com uma fragrância discreta. A orquídea selvagem cresce no lugar considerado o mais inspirador de todos: onde a montanha encontra a água. Ela permanece no portal da primavera e convida todos a se juntar na celebração da vida.

O bambu é o pai da pintura sumiê. Caracteriza a simplicidade de vida e o espírito humilde, qualidades valorizadas no zen-budismo. Ele representa o inverno e é o tema mais pintado no Oriente. Seu tronco simboliza a força e as virtudes do sexo masculino, refletindo um senso de equilíbrio perfeito. Sua retidão é comparada ao caráter íntegro, e o tronco firme lembra a estabilidade inabalável, apesar de flexível. Seu centro é oco, remetendo ao sentido de vazio interior do zen, no qual o espírito atinge a humildade. Ele é o “cavaleiro perfeito”, com muitas valores admiráveis.

No frio mês de janeiro, a ameixeira floresce, trazendo com ela o símbolo da esperança e da tolerância. Expressa a renovação e a continuidade da vida. Seu tronco retorcido inspira dureza, especialmente na existência árida do começo do inverno. Ainda assim, a ameixeira guarda a promessa da primavera e se confirma quando os primeiros brotos delicados aparecem a cada janeiro, em tempo de saudar o Ano-Novo.

Por último, a florescência tardia do crisântemo, cujas flores antecipam a chegada do inverno, desafia o frio e triunfa no outono. Por sua perseverança e resignação, a flor representa qualidades como lealdade e modéstia. Devido à sua forma circular, é considerado o símbolo da vida familiar. Além de suas virtudes, o crisântemo é famoso por ser o emblema da família imperial japonesa desde o século X.

Massao Okinaka, o mestre do sumiê no Brasil

0302_sumie_coruja.jpg“Os elementos básicos do sumiê são três: simplicidade, simbolização e naturalidade. O sumiê é uma arte subjetiva. A expressão livre que brota por meio da cor sumi e dos movimentos do pincel reflete com serenidade o caráter e a personalidade do autor, induzindo-o ao prazer das descobertas”. A frase, extraída do Caderno de Sumiê, da Editora Aliança Cultural Brasil-Japão, é de autoria do mestre Massao Okinaka, o introdutor da arte no Brasil.

A definição do mestre, que dedicou sua vida à arte da pintura sumiê, sintetiza a riqueza de sua obra. Nascido em 1913, em Kyoto, no Japão, Okinaka veio para o Brasil juntamente com os pais e cinco irmãos em 1932, instalando-se em Lins, no interior de São Paulo, onde trabalhou na agricultura. A mudança para o Brasil fez com que ele interrompesse seus estudos com o mestre Onishi Kakyo, herdeiro da Escola Sanae do mestre Yamamoto Shunkyo.

Para a formação completa, um aprendiz deve morar dez anos com seu mestre, a fim de aprender, ao longo do tempo, todas as técnicas. A interrupção de seu aprendizado após cinco anos fez com que seu mestre se recusasse a nomeá-lo com o nome artístico (uma espécie de graduação). Tradicionalmente, o discípulo recebe um nome composto por um kanji (ideograma) do nome de seu mestre, que será sua assinatura e o representará nessa arte.

Posteriormente, a postura do severo professor foi repensada, e Okinaka recebeu o nome de Bunsen, que significa fonte de cultura, passando a ser visto como aquele que expandiria a arte japonesa no Ocidente.

0302_sumie_massao.jpgO mestre Massao Okinaka (ao lado), cujo nome artístico é Bunsen, dedicou 78 anos de sua vida ao sumiê, a maior parte deles no Brasil. Acima, um de seus trabalhos, intitulado O Silêncio, de 1993: técnica e sensibilidadeCom a perda dos pais pouco tempo depois da sua chegada ao Brasil e por ser o filho mais velho, ele teve de criar e sustentar seus irmãos menores. Em 1940, mudou-se para São Paulo. Sete anos depois, casou-se com Alina Rei Takaishi, também pintora. Assim, passou a se dedicar somente ao sumiê.

No trabalho de Okinaka, o zen e o sumiê fundem-se num misto de imagens quase abstratas. O mestre retratou as simbologias do zen – o círculo, a paisagem, as nuvens, o dragão e a bola de fogo – com incrível maestria, além de pintar rochas, pássaros, flores e outros elementos da natureza.

Um dos maiores expoentes das artes plásticas do país, e principalmente da comunidade japonesa, Massao Okinaka lecionou em diversos estabelecimentos de ensino, como a Faculdade Armando Álvares Penteado (FAAP), em São Paulo, a Universidade de São Paulo (USP), a Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa (Bunkyo) e foi o criador do curso de sumiê na Aliança Cultural Brasil-Japão.

Além de trabalhar na área acadêmica, o mestre também desenvolvia atividades culturais como integrante do grupo de arte Seibi, que incluía nomes como Tomo Handa, Flávio Shiró e Manabu Mabe.

Apaixonado pelo Brasil, Massao Okinaka chegou a fazer poesia sobre o povo e a natureza do país e ficava satisfeito em dar aos brasileiros a oportunidade de conhecer a arte japonesa. “O mais importante é que ele não somente passava as técnicas, mas também o modo de pensar oriental”, explica o artista plástico Roberto Okinaka, filho do mestre e presidente da Comissão de Artes Plásticas do Bunkyo. “Apesar de ser difícil ensinar sumiê para pessoas de uma cultura tão diferente, ele gostava disso. Tanto que 70% de seus alunos eram ocidentais”, lembra Roberto.

Atualmente, é o filho quem cuida da unidade da Japan International Association of Sumiê, fundação ligada à matriz japonesa que visa manter a integração entre os artistas de vários países por meio dessa arte.

Diversas exposições com obras de pintores argentinos, norte-americanos, chineses e coreanos foram feitas por meio da fundação. Em 2000, com a morte de Massao Okinaka, aos 87 anos, as atividades ficaram restritas ao envio de obras para mostras no exterior. Roberto, porém, tem planos de, no futuro, criar um espaço onde todas as obras, assim como o material usado por Massao Okinaka e sua esposa, Alina Okinaka, possam ser expostos.

Arte zen

0302_sumie_etereas.jpg
Etéreas e fluidas, as nuvens transmitem leveza e simbolizam o caminho para a realização do sonhos do artista

0302_sumie_retratado_com.jpg
Retratado com pinceladas vigorosas, o dragão é um dos personagens mais importantes da cultura oriental

0302_sumie_executando.jpg
Executado com rapidez e precisão, o círculo simboliza o vazio interior do ser humano, e seu traço revela a simplicidade

0302_sumie_a_paisagem.jpg
A paisagem é um dos temas mais freqüentes do sumiê. O importante, porém, não é pintar a forma, mas sim captar a essência

0302_sumie_simplicidade_e.jpg
Simplicidade e abstração marcam a arte que retrata uma intensa bola de fogo. Ela representa a alma da pessoa

Fotos: Cedidas
Nascido em Kyoto, no Japão, o artista fez uma homenagem à vizinha cidade de Nara com a obra Outono no Templo Yakushiji (acima), de 1985. Seus trabalhos estão expostos na Pinacoteca de São Paulo e no Museu de Arte de São Paulo (Masp)

Rodrigo Brasil, de Tokyo, e Erin Mizuta

Matéria publicada na edição #53 da Revista Made in Japan

Redação Made in Japan Redação do site Made in Japan
Conteúdo Relacionado

Compre agora na Amazon

Seu Nome em Japonês

Cotações de Moedas

  • Dólar: R$ 5,0124
  • Euro: R$ 5,4570
  • Iene: R$ 0,0336
Fonte: BCB (18/03/2024)
Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para personalizar publicidade e produzir estatísticas de acesso de acordo com a nossa Política de Privacidade. Ao continuar navegando, você concorda com estas condições.